“Sem Covid-19, a novela seria uma fantasia”, diz autora de Amor de Mãe
Em entrevista, Manuela Dias afirma que, se deixasse a pandemia de fora, mudaria todo o gênero realista da novela
atualizado
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Amor de Mãe segue com capítulos que relembram a primeira fase, antes da exibição das últimas emoções de A Força do Querer. A partir do dia 15 de março, a história ocupará todo o horário com as tramas inéditas.
Na segunda fase da novela, os personagens seguem em busca de seus objetivos, mas, como na vida real, driblando as restrições que a pandemia impôs a todos. “Em uma novela realista como Amor de Mãe, o simples fato da Covid-19 ficar de fora, mudaria todo gênero da nossa narrativa. Sem coronavírus a novela se tornaria uma fantasia”, explica Manuela Dias, que fala mais sobre o retorno da novela das nove na entrevista abaixo.
Quando e por que você decidiu inserir a pandemia na história?
Quando a pandemia chegou, supostamente iria durar 15 dias. Nesse momento pensei em resguardar meus personagens da Covid-19. Mas logo ficou claro que a questão seria muito mais profunda e duradoura, então decidi inserir a Covid-19 na trama. Ou seja, bem no começo da pandemia ela acabou entrando para a dramaturgia. Em uma novela realista como Amor de Mãe, o simples fato da Covid ficar de fora, mudaria todo gênero da nossa narrativa. Sem coronavírus a novela se tornaria uma fantasia.
Foi muito complexo reescrever os capítulos inserindo a pandemia, mas sem perder os motes principais dos personagens?
Escrever roteiro é se adaptar continuamente às condições da realidade. E eu gosto disso! Nos adaptamos ao sol e à chuva, à saúde dos atores, imprevistos no trânsito, a tudo. A dramaturgia audiovisual está sempre se conformando à realidade. A pandemia foi mais uma coisa à qual nos adaptamos. É emocionante e dá orgulho ver a disciplina e paixão que as pessoas envolvidas com audiovisual trabalham. Com enchente, seca, pandemia… nós sempre damos um jeito de entregar as histórias para o público. A contação de histórias tem um poder atávico, ancestral e muito forte.
Em algum momento teve medo de não ver sua primeira novela no ar novamente?
Em primeiro lugar meu medo não se canalizou para a novela. Milhares de pessoas estavam morrendo de uma doença desconhecida. Isso é de uma escala tão avassaladora que não existia espaço para me preocupar com a novela. Só depois de alguns meses, já quase no final da escrita, eu comecei a pensar em como e se conseguiríamos terminar de gravar aquela história. Nesse momento fiquei com medo, claro. Uma história sem fim é uma história que não se concretiza, é uma história que nunca existiu. Todo esforço teria sido em vão se a novela não encontrasse seu fim. E veja a minha situação, escrever uma primeira novela como autora sempre foi um sonho e um imenso desafio. Já seria o bastante, mesmo que não fosse no horário das nove, mas era. Eu contei durante o processo com o apoio do Silvio de Abreu, a supervisão do Ricardo Linhares e a parceria estreita e fundamental com o José Luiz Villamarim (diretor), todos com experiência de muitas novelas nas costas. Mas, quando chegou a pandemia, eu me vi num lugar pelo qual ninguém tinha passado. Pela primeira vez uma novela estava sendo interrompida em pelo voo. Além disso, existia a imensa responsabilidade com toda equipe e elenco de mantê-los em segurança no eventual retorno às gravações. Nosso set parecia uma UTI de tão monitorado! Tudo deu certo e agora estamos aqui.
Como foi escrever a cena tão aguardada pelo público, o encontro de Lurdes e Domênico/ Danilo?
Quando o público se emociona com uma cena, pode ter certeza que eu também me emocionei escrevendo. Nada do que tocou o público eu escrevi de pernas para o ar. E essa cena eu levei quase uma semana escrevendo. Tentar imaginar de forma realista como é esse encontro, de uma mãe com um filho depois de quase 30 anos, viver esse encontro nos dois papéis, aqui sentada na minha mesa… Foi abrir espaço para todo o improvável dos sentimentos mais avassaladores. Eu me emocionei muito, os atores também, espero que toda essa emoção chegue condensada ao público. O instinto materno é a força mais poderosa do ser humano.
Você estreou como autora de novelas já em um produto tão importante, inaugurando um estúdio novo também. Qual o balanço que você faz do trabalho como um todo?
O processo ainda está em andamento, então é difícil fazer um balanço do todo. Mas o que sinto até aqui é que fui intensamente transformada pelo processo da novela. E aos 43 anos de vida aprendi que o processo é tão ou mais importante que o produto. São quase quatro anos da minha vida dedicados à essa história, e eu não economizei em nada. Energia, sonho, suor, trabalho, empenho, lágrimas, risadas, tempo… dei tudo de mim. Além disso, reforcei e valorizei minhas parcerias. Fiz novos e bons parceiros. Aprendi sobre o meu ofício e me identifico com cada palavra do que foi e vai ao ar. Então, nesse sentido, o balanço é muito positivo.
Você comentou em entrevistas que não gostaria de escrever um roteiro no qual o final feliz fosse sinônimo de casamento ou riqueza. Como você, sem dar spoiler, pode conceituar a fase final da novela?
É lugar comum dizer que o herói é aquele que se transforma. Mas acho que vale acrescentar que o herói sempre se transforma nele mesmo! E uma boa jornada é aquela que desafia o herói com oportunidades dele ser o máximo do que é em cada uma das suas características. É isso que vamos ver na segunda fase da novela: cada personagem será levado ao máximo dele mesmo.
As novelas são muito comentadas nas redes sociais, principalmente no Twitter. Você acompanhou os memes, comentários, críticas sobre o trabalho? Como lidou com isso?
Tem muita coisa boa e muita gente inteligente comentando as novelas no Twitter! Eu adoro o humor, tanto dos elogios quanto das críticas. Claro que, como sou muito envolvida com meu trabalho, quando existe agressividade no lugar de crítica, eu não gosto. Até porque, não existe crescimento de nenhuma forma. Mas quando são críticas pertinentes, ainda mais feitas com inteligência e humor, eu gosto de ler.
Muitas cenas repercutiram, principalmente por conta dos diálogos. Como é para você ver que o seu trabalho impactou positivamente o público?
Dou muita, muita importância aos diálogos. Escrevo as falas dos personagens basicamente sozinha, sem dividir nem com meus colaboradores. Por isso, tenho um acordo previamente feito com atores e diretores para que não improvisem nos diálogos. Boa parte de toda dramaturgia, do teatro à internet, sobrevive de suas falas. É uma parte com a qual sou realmente obsessiva. Ver algo atingir o público é, no meu trabalho, acertar o alvo. Não escrevo com a cabeça, nem para a cabeça do espectador. O que eu busco todos os dias é uma conexão entre o meu coração e o coração do público. Toda conscientização é fraca perto da menor sensibilização.
Poderia destacar algum momento mais emblemático de toda essa jornada?
Vivemos um momento de polarização extrema e intolerância. Ter uma mulher pobre, babá, mãe solo de 5 filhos, como protagonista de uma novela das nove. Fazer as pessoas olharem para essa mulher brasileira, guerreira incansável e sorridente, num país com tanta desigualdade. Fazer com que as pessoas sejam capazes de amar essa mulher, de acompanhar seu drama, torcer pelo seu sonho… Isso é para mim um motivo de orgulho: reunir o público em uma reverência a essa força da natureza que é a mulher brasileira.