Lícia Manzo fala sobre desafios de gravar Um Lugar ao Sol na pandemia
Autora de sucessos como A Vida da Gente e Sete Vidas, a autora comenta a expectativa por sua primeira novela para o horário nobre
atualizado
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Inspirada pelo documentário Meus 18 anos, da GloboNews, e com os depoimento de jovens que são obrigados a deixar abrigos para menores onde são criados quando completam 18 anos, a autora Lícia Manzo começou a tecer o novelo central de Um Lugar ao Sol, que estreia nesta segunda-feira (8/11).
“Ao perceber na maioria daqueles jovens a esperança preservada de estudar e ter um futuro, uma pergunta me veio de imediato: no Brasil de hoje, com apenas 14% dos adultos com curso superior, cerca de 13 milhões de desempregados, e um quarto da população vivendo em situação de pobreza – serão seus sonhos realizáveis?”, reflete Lícia. Assim nasceu a história dos gêmeos Christian e Christofer, separados na primeira infância. Enquanto Christian cresce em um abrigo em Goiânia, Christofer é adotado por uma família abastada do Rio de Janeiro, passando a se chamar Renato.
No início da trama, aos 18 anos, Christian acaba de deixar o abrigo para menores onde foi criado e se vê sozinho no mundo. Subempregado e sem perspectivas, viverá um dilema ético e moral quando a vida lhe apresentar a seguinte equação: livrar-se do que o oprime tomando para si o lugar e a identidade de outra pessoa.
Lícia Manzo estreou como autora aos 15 anos, assinando o primeiro texto encenado pelo grupo Além da Lua, fundado por ela e vencedor do Prêmio Molière como o melhor grupo de teatro para crianças, em 1984. Há 20 anos na Globo, escreveu para os humorísticos Sai de Baixo, Retrato Falado, A Diarista, entre outros, e foi criadora do seriado Tudo Novo de Novo, com direção geral de Denise Saraceni, em 2009.
Em 2011, Lícia emplacou sua primeira novela, o sucesso A Vida da Gente, reprisada recentemente em edição especial na faixa das seis. Em 2015, foi ao ar sua segunda novela, Sete Vidas, também das seis. Agora, com Um Lugar ao Sol, se prepara para estrear sua primeira obra no horário das nove.
Como surgiu a ideia de escrever Um Lugar ao Sol? Quais foram as referências e inspirações?
Difícil saber de onde vêm as ideias. Lembro que havia terminado um trabalho, em 2017, e viajei de férias para São Miguel dos Milagres. Sentada na praia, ouvi uma canção de Tracy Chapman, Mountain of Things. Lembro de ter pensado pela primeira vez, ali, nas linhas gerais da história, que anotei no bloco de notas do celular. De volta ao Rio, assisti na Globonews ao documentário Meus 18 Anos, sobre jovens que, ao completarem a maioridade, precisam deixar o abrigo para menores onde foram criados. Lembro de ter ficado comovida com os depoimentos desses jovens: alguns sonhavam ser advogados, médicos, engenheiros, enfim. Aos 18 anos, estavam sozinhos no mundo, entregues à própria sorte. Ainda assim, sonhavam se tornar alguém, fazer diferença, ter um lugar ao sol.
A partir daí, acredito, foi se formando para mim o novelo central da novela: dois irmãos gêmeos, idênticos, separados no nascimento. Um deles, Christian, encaminhado a um abrigo. O outro, Renato, adotado por um casal abastado. Ao trazê-los para o centro da trama, ou mais que isso, ao fundi-los em um só (na medida em que o primeiro deverá tomar para si a vida e identidade do segundo) questões como integridade, ética, desigualdade social são levantadas na novela, não de um ponto de vista estatístico ou factual, mas íntimo, subjetivo e humano.
Você disse há algum tempo em uma entrevista: “Relações humanas, familiares, tendem a ser, desde sempre, meu principal interesse”. Isso tem sido uma marca sua – e já foi até tema de monografia. Como isso está presente em Um Lugar ao Sol?
Não saberia, eu acho, abordar qualquer assunto a partir de uma perspectiva macro. A chave de compreensão, para mim, está sempre na perspectiva micro, particular, íntima. O fato importando menos, eu acho, que a repercussão do fato no indivíduo.
Outra característica das suas obras é retratar com profundidade o universo feminino, trazendo a força da mulher. Um Lugar ao Sol, apesar de ter um protagonista masculino, mantém essa linha de várias personagens femininas centrais na trama. É uma escolha ou isso vai surgindo naturalmente?
Mais que naturalmente. Mulheres representam metade da humanidade, embora até hoje sejam tratadas como uma espécie de minoria. Escrever uma trama sem personagens femininas centrais seria escrever sobre um mundo manco. Um mundo que não conheço.
Seu processo de trabalho durante a pandemia foi muito diferente do habitual? Quais foram os maiores desafios?
Sim e não. O autor de novelas, de certo modo, já vive uma espécie de quarentena. Você não viaja, não vai a festas, não sai para beber com os amigos. O maior impacto, para mim, foi não poder encontrar minha equipe. Durante um ano e meio trabalhamos remotamente – o que num processo humano, sensível, criativo, pode ser desafiador. De todo modo, durante quase um ano, me refugiei no mato e escrevi de lá, cercada de cachorros, galinhas – o que ajudou a restaurar minha humanidade.
Um Lugar ao Sol é a sua primeira novela das nove. A expectativa (ou o frio na barriga) está sendo diferente das suas novelas anteriores?
Sim e não, novamente. Sem frio na barriga não existe criação. Mas a pandemia, nesse sentido, foi um desafio a mais. E ao assistir os primeiros capítulos em casa, me flagrei surpresa, incrédula, com o resultado impecável e com a capacidade de adaptação da equipe e da empresa, que rapidamente criou condições seguras para que o trabalho pudesse seguir.
Como foi a escolha do elenco?
Muito harmônica, junto com a direção. Se eu e Maurício divergimos em algum nome, eu nem me lembro. Desde que estive nas primeiras leituras, saí aliviada e com a certeza de que tínhamos feito as escolhas certas.
Como foi a parceria com o diretor Maurício Farias durante essa jornada?
Sou admiradora do trabalho dele. Me sinto muito feliz com esse encontro.