“Eu me emocionei escrevendo”, diz autora de Amor de Mãe
Em entrevista, Manuela Dias conta que tem orgulho de ter mulher pobre, babá e mãe solo de 5 filhos como protagonista de uma novela das 21h
atualizado
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Manuela Dias estreou no horário nobre com um tremendo desafio! Amor de Mãe, sua primeira novela, ficou paralisada durante meses e, quando voltou, inseriu a pandemia na história. Entre erros e acertos, a atual trama das 21h entrou para a história da teledramaturgia não por essa particularidade, mas por ter criado personagens antológicos como Lurdes (Regina Casé) e Thelma (Adriana Esteves).
Confira abaixo, uma entrevista com a autora do momento que se despede hoje com o desfecho de Amor de Mãe.
Quando e por quê você decidiu inserir a pandemia na história?
Quando a pandemia chegou, supostamente iria durar 15 dias. Nesse momento, pensei em resguardar meus personagens da Covid-19. Mas logo ficou claro que a questão seria muito mais profunda e duradoura, então decidi inserir a Covid-19 na trama. Ou seja, bem no começo da pandemia ela acabou entrando para a dramaturgia. Em uma novela realista como Amor de Mãe, o simples fato do coronavírus ficar de fora mudaria todo gênero da nossa narrativa.
Foi muito complexo reescrever os capítulos inserindo a pandemia, mas sem perder os motes principais dos personagens?
Escrever roteiro é se adaptar continuamente às condições da realidade. E eu gosto disso! Nos adaptamos ao sol e à chuva, à saúde dos atores, imprevistos no trânsito, a tudo. A dramaturgia audiovisual está sempre se conformando à realidade. A pandemia foi mais uma coisa à qual nos adaptamos.
É emocionante e dá orgulho ver a disciplina e paixão que as pessoas envolvidas com audiovisual trabalham. Com enchente, seca, pandemia… Nós sempre damos um jeito de entregar as histórias para o público. A contação de histórias tem um poder atávico, ancestral e muito forte.
Em algum momento teve medo de não ver sua primeira novela no ar novamente?
Em primeiro lugar, meu medo não se canalizou para a novela. Milhares de pessoas estavam morrendo de uma doença desconhecida. Isso é de uma escala tão avassaladora que não existia espaço para me preocupar com a trama. Só depois de alguns meses, já quase no final da escrita, eu comecei a pensar em como e se conseguiríamos terminar de gravar aquela história. Nesse momento fiquei com medo, claro. Uma história sem fim é uma história que não se concretiza, é uma história que nunca existiu.
Todo esforço teria sido em vão se a novela não encontrasse seu fim. E veja a minha situação, escrever uma primeira novela como autora sempre foi um sonho e um imenso desafio. Já seria o bastante, mesmo que não fosse no horário das 21h, mas era.
Eu contei durante o processo com o apoio do Silvio de Abreu, a supervisão do Ricardo Linhares e a parceria estreita e fundamental com o José Luiz Villamarim (diretor), todos com experiência de muitas novelas nas costas. Mas, quando chegou a pandemia, eu me vi num lugar pelo qual ninguém tinha passado. Pela primeira vez um folhetim estava sendo interrompido em pelo voo. Além disso, existia a imensa responsabilidade com toda equipe e elenco de mantê-los em segurança no eventual retorno às gravações. Nosso set parecia uma UTI de tão monitorado! Tudo deu certo e agora estamos aqui.
O instinto materno é a força mais poderosa do ser humano
Como foi escrever a cena tão aguardada pelo público, o encontro de Lurdes e Domênico/ Danilo?
Quando o público se emociona com uma cena, pode ter certeza que eu também me emocionei escrevendo. Nada do que tocou o público eu escrevi de pernas para o ar. E essa cena eu levei quase uma semana escrevendo. Tentar imaginar de forma realista como é esse encontro, de uma mãe com um filho depois de quase 30 anos, viver esse encontro nos dois papéis, aqui sentada na minha mesa… Foi abrir espaço para todo o improvável dos sentimentos mais avassaladores. Eu me emocionei muito, os atores também. O instinto materno é a força mais poderosa do ser humano.
Você comentou em entrevistas que não gostaria de escrever um roteiro no qual o final feliz fosse sinônimo de casamento ou riqueza…
É lugar comum dizer que o herói é aquele que se transforma. Porém, acho que vale acrescentar que o herói sempre se transforma nele mesmo! E uma boa jornada é aquela que desafia o herói com oportunidades dele ser o máximo do que é em cada uma das suas características. É isso que vamos ver na segunda fase da novela: cada personagem será levado ao máximo dele mesmo.
Toda conscientização é fraca perto da menor sensibilização
Muitas cenas repercutiram, principalmente por conta dos diálogos. Como é para você ver que o seu trabalho impactou positivamente o público?
Dou muita, muita importância aos diálogos. Escrevo as falas dos personagens basicamente sozinha, sem dividir nem com meus colaboradores. Por isso, tenho um acordo previamente feito com atores e diretores para que não improvisem nos diálogos. Boa parte de toda dramaturgia, do teatro à internet, sobrevive de suas falas. É uma parte com a qual sou realmente obsessiva. Ver algo atingir o público é, no meu trabalho, acertar o alvo. Não escrevo com a cabeça, nem para a cabeça do espectador. O que eu busco todos os dias é uma conexão entre o meu coração e o coração do público. Toda conscientização é fraca perto da menor sensibilização.
Poderia destacar algum momento mais emblemático de toda essa jornada?
Vivemos um momento de polarização extrema e intolerância. Ter uma mulher pobre, babá, mãe solo de 5 filhos, como protagonista de uma novela das 21h. Fazer as pessoas olharem para essa mulher brasileira, guerreira incansável e sorridente, num país com tanta desigualdade. Fazer com que as pessoas sejam capazes de amar essa mulher, de acompanhar seu drama, torcer pelo seu sonho… Isso é para mim um motivo de orgulho: reunir o público em uma reverência a essa força da natureza que é a mulher brasileira.