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Pablo Marçal e Datena: vítimas e algozes da polarização política

O incidente entre Datena e Marçal no debate da TV Cultura ilustra o avanço da violência política alimentada pela polarização

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1 de 1 datena_marcal - Foto: Reprodução

Quando a polarização atinge níveis extremos, ela deixa de ser apenas uma disputa de ideias e se torna um fator de risco para a violência física e, consequentemente, para o tecido social.

Um exemplo disso foi o debate da TV Cultura com os candidatos à Prefeitura de São Paulo, que, na noite do último domingo (15/9), exibiu ao vivo o arremesso de uma cadeira pelo candidato José Luiz Datena (PSDB) contra o adversário Pablo Marçal (PRTB).

Vivemos em tempos em que divergências políticas, que deveriam ser a base de um debate democrático saudável, transformaram-se em conflitos pessoais e inimizades profundas.

Divergências são o combustível de uma democracia, o problema é quando ideias são substituídas por ofensas, desinformação e discurso de ódio. Em situações assim, precisamos relembrar que a batalha deve ser sempre contra ideias, e não contra pessoas.

Erra quem ofende e erra quem agride o outro. Marçal, neste caso, foi ao mesmo tempo vítima e algoz da polarização que fomenta, ao reproduzir incansavelmente um discurso bélico e perigoso.

Um cenário político polarizado pode transformar períodos eleitorais em momentos de grande perigo, onde propostas são deixadas de lado e o espaço é ocupado por acusações, fake news e, eventualmente, violência física.

Trocar o diálogo por balas e granadas é uma ameaça real à democracia. Violência política não apenas mata pessoas, mas também pode matar o próprio sistema democrático. E, infelizmente, estamos vendo esse risco crescer a cada dia.

Mas o que significa, de fato, polarização? Alguns defendem que a polarização é natural em uma democracia, pois divergências de opinião são esperadas. No entanto, o tipo de polarização que preocupa, e que estamos abordando na coluna de hoje, é o que chamamos de “polarização afetiva”, uma forma especialmente perigosa, que rompe as bases do diálogo e do respeito democrático.

Esse tipo de polarização, que tem como base a percepção negativa e distorcida de outros grupos, é um indicador do risco de violência política, como documentado pela literatura internacional sobre o tema.

Posicionar-se contra a polarização não implica evitar conflitos, mas enfrentá-los de forma pacífica e democrática. Não se trata de eliminar antagonismos, mas de garantir que esses sejam resolvidos por meio do diálogo e da negociação, buscando pontos de conexão.

Devemos rejeitar a normalização da violência e discursos desumanizantes, e nos inspirar em líderes como Mandela e Gandhi, que enfrentaram grandes injustiças sem abrir mão da não-violência.

O cenário se agrava quando observamos que as redes sociais contribuem para a intensificação desse fenômeno. A nossa percepção do outro se torna mais radicalizada e distorcida, e as diferenças — muitas vezes pequenas — são amplificadas no debate público.

Isso alimenta um ciclo de ódio que atinge níveis perigosos, com discussões que rapidamente escalam para ameaças de violência e morte, e migram das plataformas digitais para a nossa vida fora do ambiente digital.

Este tipo de ódio não é apenas superficial; ele é profundo e se manifesta em uma versão mais avançada, chamada de “ultraje moral”. Quando uma pessoa expressa indignação moral, ela eleva seu status de hater a um “justiceiro”, legitimando o ataque a grupos que considera imorais ou perigosos.

Esse ultraje pode levar à violação de valores fundamentais, como a paz, a proteção da vida e o respeito à humanidade alheia. E, aí, é um passo para linchamentos públicos e, em casos mais graves, genocídios.

Discursos de ódio precedem crimes de ódio, por isso é importante trabalharmos para enfraquecer narrativas que promovem e perpetuam a polarização política e a violência.

Para além de uma falsa competição de “nós contra eles”, estimulada por virais discursos polarizantes, vemos hoje uma mentalidade ainda mais perigosa, que promove um “nós ou eles”, estimulando que o “outro lado” seja eliminado.

O maior risco desse processo é a erosão dos nossos valores mais profundos. A convivência com a violência leva à naturalização dela. Quando permitimos que a violência e a desumanização sejam normalizadas, mesmo que em circunstâncias excepcionais, corroemos a base moral que sustenta a sociedade democrática. E, uma vez que normalizamos o anormal, é difícil reverter o processo.

Como apontou Rachel Brown no guia A Refresher Guide on Narratives and Violence, em tempos de polarização é crucial que não abandonemos nossos valores morais mais fundamentais. Se começarmos a justificar o injustificável, estaremos permitindo que nossa moralidade se baseie em cálculos de custo-benefício, e não em princípios sólidos.

Esse caminho nos leva a um ponto perigoso, onde a violência pode ser vista como uma resposta aceitável. Precisamos, como sociedade, resistir a essa tendência e reforçar a importância do diálogo, da empatia e do respeito mútuo. Só assim podemos evitar que a polarização continue alimentando a violência e destruindo a nossa democracia.

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