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“Neymar x Piovani” evidenca papel de influenciadores no debate público

Uma PEC gerou uma onda de desinformação, meme e briga entre Neymar e Piovani, desvirtuando um debate importante

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Montagem feita a partir de fotos das redes sociais de Luana Piovani e Neymar - Metrópoles
1 de 1 Montagem feita a partir de fotos das redes sociais de Luana Piovani e Neymar - Metrópoles - Foto: Instagram/Reprodução

A troca de ofensas entre o jogador Neymar, que tem 221 milhões de seguidores apenas no seu Instagram, e a atriz e apresentadora Luana Piovani, 5,4 milhões de seguidores, sobre uma Proposta de Emenda à Constituição conhecida como “PEC das praias”, não se limitou às 24 horas dos Stories e à efemeridade nas redes sociais. A discussão cruzou uma linha, dando ampla visibilidade a um assunto importante, de interesse de todo cidadão brasileiro.

No entanto, o que poderia ter sido uma excelente oportunidade para discutirmos o mérito da PEC em si — que propõe retirar da União a propriedade exclusiva sobre os chamados terrenos de marinha — seus possíveis prejuízos, benefícios, riscos e motivações não ditas por trás da iniciativa, virou uma arena de luta livre com ataques pessoais, acusações levianas e muita misoginia. Não à toa, foi “Neymar” e não PEC, que ficou como o assunto mais falado do Brasil no X (antigo Twitter).

Ao descentralizar a produção de conteúdo, as redes sociais possibilitaram que novos atores passassem a participar ativamente dos fluxos de comunicação política. Dentre eles, os influenciadores digitais vêm se mostrando como um novo tipo de ator cada vez mais relevante para a construção do debate público no Brasil. Eles detêm um alcance expressivo e, muitas vezes, cultivam uma credibilidade importante perante os seus seguidores. Suas vozes adquirem, assim, um impacto significativo, que exige o reconhecimento da responsabilidade pela comunicação que realizam, especialmente para o fortalecimento do diálogo democrático.

A polêmica entre essas duas celebridades é um contra-exemplo disso. O que começou com um pedido de ajuda de Luana Piovani para as pessoas se posicionarem contra a PEC, ou seja, uma convocação à participação cidadã salutar, acabou em uma lamentável troca de ofensas, que acabou esvaziando o debate inicial. Hoje, mais do que ser contra ou a favor da PEC, as pessoas se posicionam contra ou favor de Neymar ou Luana Piovani.

A PEC não é de hoje. A proposta foi aprovada na Câmara dos Deputados em fevereiro de 2022 e enviada ao Senado logo em seguida. Em maio de 2023, o relator do projeto, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), apresentou parecer favorável à PEC. Mas na semana passada (27/5), a Comissão de Constituição e Justiça promoveu uma audiência pública para discutir a proposta que, se aprovada, revogaria um trecho da Constituição, permitindo a transferência dos chamados terrenos de marinha para ocupantes particulares, Estados e municípios. A audiência pública ganhou conhecimento de um público maior, especialmente de grupos ambientalistas, e foi criada uma campanha contra a proposta nas redes sociais envolvendo celebridades, ativistas e influenciadores. Para esse grupo, a PEC é criticada pelo risco de privatização de praias e a ocupação desenfreada das áreas beira-mar, uma investida que pode ter consequências ambientais severas, prejudicando a biodiversidade e deixando vulnerável a região costeira brasileira.

Após a audiência pública, internautas resgataram um vídeo divulgado por Neymar na semana anterior, em que ele anuncia uma parceria com uma incorporadora para um projeto apelidado de “Caribe brasileiro”, que vai ter imóveis de luxo beira-mar.

A atriz Luana Piovani o criticou nas redes por isso, alegando que, em tese, ele se beneficiaria da aprovação do projeto. O jogador respondeu com violência e misoginia asquerosas. A agência de marketing do Neymar e a incorporadora Due soltaram notas negando que a PEC iria favorecer seus negócios, mas não houve espaço de diálogo. Instaurou-se, aí, o campo de batalha e um caos informacional, com diversos outros influenciadores escolhendo seus lados.

O que restou da PEC?

O rapper Oruam ordenou que seus 8,6 milhões de seguidores fossem xingar a atriz e deixou o link para o Instagram dela para facilitar a vida deles. O humorista Diogo Defante manifestou sua contrariedade ao projeto de forma simbólica, com um tuíte de tom fálico que não dizia com todas as letras seu posicionamento. Mas Neymar se irritou e publicou Stories atacando Defante, que muito rapidamente se desculpou, fazendo com que Neymar voltasse atrás e apagasse os ataques ao humorista.

Whindersson Nunes saiu em defesa do Neymar, foi criticado pelo humorista Tiago Santineli, e passou a tuitar incessantemente sobre o assunto. Em um dos seus tuítes, compartilhou sua luta pessoal contra a depressão. O que poderia ter sido uma boa influência de um homem expondo suas vulnerabilidades para milhões de seguidores, acabou em um relato detalhado de uma tentativa de suicidio frustrada capaz de acionar muitos gatilhos em outras pessoas que também sofrem com questões de saúde mental.

No meio de uma discussão acalorada nas redes sociais, os fatos se perdem por entre as farpas e debates que poderiam contribuir para uma maior participação social e temas que impactam diretamente a sociedade perdem a real relevância. Em cenários assim, nos questionamos em que medida os influenciadores estão preparados para qualificar discussões sobre políticas públicas e como seria realmente incrível se eles usassem o canhão de audiência que têm para tratar de assuntos importantes de forma responsável.

No fim das contas, o que tem sido discutido sobre a Proposta de Emenda à Constituição? Quase nada. Agora o assunto parece não ter vida longa e promete morrer no Senado, dado todo o desgaste. Foi preciso uma briga envolvendo grandes nomes da cultura de celebridades para que um assunto sério, de muito impacto, tivesse sido publicizado.

Isso também diz muito sobre como o governo e parlamentares estão perdendo oportunidades únicas de qualificar debates de interesse público, que têm se esvaziado em discussões rasas, mediadas por algoritmos, nas redes sociais. Mas a audiência pública que ouviu especialistas qualificados e comprometidos com a agenda ambiental segue disponível no canal da TV Senado, no YouTube. Ali estão argumentos sólidos, baseados em dados, que poderiam servir de base para discussões que precisam superar debates que muito facilmente se transformam em um festival de ataques, misoginia e total falta de responsabilidade.

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