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Jogo do “tigrinho”: a gente aposta que você vai perder

No caso de jogos on-line, como o do “tigrinho”, o faturamento alto bate não só nas casas de apostas, como também no bolso de influenciadores

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1 de 1 Foto colorida de uma pessoa jogando no celular - Metrópoles - Foto: Tirachardz/Freepik

Se tem uma regra clara em qualquer jogo de aposta é que a casa sempre ganha. No caso dos jogos on-line, como o do “tigrinho”, o faturamento alto bate não só nas casas de apostas, como também no bolso de influenciadores que fazem um mau uso da relevância que têm. E, em decorrência do vício, os seguidores perdem dinheiro, saúde mental e deterioram suas relações interpessoais por causa de dívidas. Acumulam-se cliques e se acumulam também histórias trágicas de endividamentos nesses tipos de jogos.

No início da semana, a polícia de Alagoas pediu o bloqueio de R$ 38 milhões de 12 influenciadores investigados por suposto crime de estelionato. O que mais chamou a atenção na divulgação da operação policial – além de, claro, todo o montante e os muitos bens de luxo – foram os áudios interceptados pelos investigadores, que detalhavam a forma de atuação dos envolvidos. Em áudio de Verolayne – influenciadora que somava, até o dia da operação, cerca de 1 milhão de seguidores nas redes sociais –, ela dizia cobrar R$ 80 mil para divulgar o jogo em seu perfil, com a condição de que não jogasse, apenas simulasse a aposta. No áudio, ela ainda diz que quer uma conta “demo” para não correr o risco de perder dinheiro apostando em uma conta comum para jogadores. Na investigação, que durou oito meses, policiais tiveram acesso a mensagens que mostram que os influenciadores envolvidos na operação recebiam links para contas “demo” programadas para sempre ganhar, enquanto, para o usuário normal, o link era outro, com perdas significativas.

Nos Stories publicados de terça (19/6) para quarta (20/6) em sua conta reserva, Verolayne ironizou que as publicações sobre ela estavam usando imagens antigas, de quando ela ainda não estava com sua nova aparência, após procedimentos estéticos. A influenciadora atacou o trabalho dos jornalistas locais que estão cobrindo o caso e ainda fez uma comparação – no mínimo esdrúxula – entre jogos de azar e tráfico de drogas.

“O traficante sai da casa dele, bate na sua porta e diz: ‘Abre a boca, fuma aqui’? Não, eles estão lá fazendo o trabalho deles e não destroem a vida de ninguém. As pessoas que saem de suas casas para ir lá buscar a droga”, disse. Verolayne ignora deliberadamente toda a manipulação por trás da prática e não demonstra o menor constrangimento em propor que as pessoas viciadas a partir de sua divulgação estão assim por vontade própria.

Jogo e influenciadores

No Brasil, o jogo do tigrinho ganhou fama após uma campanha massiva, que contou com a participação de influenciadores digitais e jogadores de futebol, que compartilham, em seus Stories ou status, vídeos demonstrativos com supostas táticas para quem quer garantir sucesso nessas plataformas. No entanto, muitos desses divulgadores já foram desmascarados ao serem flagrados usando vídeos previamente gravados, que simulavam a tela do que seria seu próprio aparelho de celular, indicando um superganho, em uma rodada de sorte alta. Tudo fake.

A Lei de Contravenções Penais classifica como crime os jogos de azar em que o ganho ou a perda dependem da sorte. Influenciadores cometem crime de estelionato ao divulgá-los. Além de imoral, o jogo é ilegal. Em todo o país, uma série de operações policiais atuam para tentar coibir a participação de influenciadores digitais na divulgação dessas apostas, com casos de prisão por crime de estelionato e/ou associação criminosa, em vários estados brasileiros, como Pará, São Paulo, Maranhão e Espírito Santo.

A sedutora oferta de valores altos para a publicação de algumas poucas publicações faz com que influenciadores muito rapidamente associem as suas imagens a essas práticas, em contratos que vão desde a garantia de ganho por novo jogador cadastrado na casa de aposta ou até mesmo, em casos mais perversos, ganho em cima do prejuízo dos seguidores que perderem dinheiro depositado. As bancas de aposta que hospedam o jogo do tigrinho são como máquinas caça-níquel, com roletas coloridas e vibrantes, trilhas musicais estrategicamente pensadas para estimular o jogador, e uma vasta cartela de jogos com visuais semelhantes, cheios de cédulas e moedas saltando em toda a tela.

Tudo ali é pensado e facilitado para uma imersão de fato. O dinheiro depositado em um caixa único pode ser usado tanto para o tigrinho, como para o jogo do touro, do coelho, do foguete, e outros tão populares e inebriantes quanto. Assim, a pessoa é levada, muito facilmente, a permanecer presa durante horas nesse universo.

Nos últimos dias, outro assunto relacionado ao tema que também tem tomado conta das redes sociais é o assédio dos inúmeros perfis criados de uma hora para outra. Muitos deles são baseados na Rússia, para divulgar o jogo do “tigrinho” e suas variações. São perfis com nomes que misturam letras e números para formar palavras como fortuna, tigre e dinheiro. Há inúmeros perfis criados da noite para o dia com o intuito de pedir para seguir um perfil real — ou já seguir diretamente, se não for um perfil privado — e levar a possível vítima aos Stories, onde estão as mensagens que prometem dinheiro rápido e fácil. Tudo balela.

A rede que envolve toda essa ação em torno dos jogos on-line é grande, articulada, e atua como um polvo, com cada tentáculo mirando uma frente. Há o trabalho com influenciadores digitais, com uma presença massiva em perfis de todos os tamanhos, com mais e menos seguidores, em todas as regiões do país. Há, ainda, a criação abusiva de perfis para criar um enorme ruído e chamar a atenção para o jogo. Não dá para ser ingênuo em relação a esse assunto, por isso batemos na tecla da importância da educação midiática e seu conjunto de ferramentas que fortalecem a nossa leitura crítica sobre como funcionam as redes sociais e os conteúdos que assimilamos diariamente.

No fundo, todo mundo perde. Quem vende a si próprio e sua moral para casas de apostas e passa a emprestar sua imagem e a confiança de seus fiéis seguidores, algo caro em termos não materiais, também perde. A cada nova oferta que busca lucrar em cima do prejuízo financeiro e da saúde mental de pessoas que realmente têm a crença de que podem melhorar suas vidas participando de um “simples” jogo on-line, o influenciador perde um pouco mais de sua humanidade. A sociedade, principal vítima, perde em vários níveis e se mantém completamente vulnerável à ação de sujeitos que não têm escrúpulos ou pudor ao propor, de forma tão descarada, a mentirosa garantia de dinheiro rápido e fácil. No fundo, todo mundo perde – menos a casa, que (vale o lembrete) sempre ganha.

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