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Enchentes no RS revelam o perigo do desastre informacional

Desastre informacional de tragédias passam pelo vácuo de informação de qualidade, cacofonia desinformacional e consequências de longo prazo

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Rio Grande do Sul enchentes
1 de 1 Rio Grande do Sul enchentes - Foto: <p>IGO ESTRELA/METRÓPOLES<br /> @igoestrela</p><div class="m-banner-wrap m-banner-rectangle m-publicity-content-middle"><div id="div-gpt-ad-geral-quadrado-1"></div></div> </p>

Desde que as redes sociais passaram a dominar nossas vidas, desastres ambientais são acompanhados de desastres informacionais.

É com esse nome que aqui no Redes Cordiais estamos tratando esse fenômeno que hoje vive o Rio Grande do Sul e o Brasil: as enchentes afetam a logística de comunicação, o pânico fragiliza a capacidade de a população lidar com o excesso de informações que surgem a todo momento, e se estabelece uma desastrosa cacofonia com consequências imprevisivelmente perigosas, no curto e no longo prazo.

Chuvas e inundações no Rio Grande do Sul
Chuvas e inundações no Rio Grande do Sul

O desastre informacional descreve a situação em que um acontecimento de grande impacto dificulta, por diferentes razões, o bom fluxo de informação de qualidade e favorece, também por motivos diversos, a explosão de desinformação. A situação do Rio Grande do Sul é perfeita para analisar a dimensão do fenômeno.

Identificamos alguns estágios, tanto no curto quanto no longo prazo, que configuram isso que estamos vivenciando. Primeiro, a oferta de informação produzida por fontes confiáveis, como o jornalismo, diminuiu num primeiro momento porque jornalistas e veículos locais também foram afetados pelas chuvas.

A sede do tradicional Correio do Povo, por exemplo, foi invadida pelas águas. Apesar de os repórteres gaúchos estarem momentaneamente impedidos ou com grande dificuldade de trabalhar, a demanda por informação estava nas alturas.

Informação correta para tomar decisões

Tal qual em momentos dramáticos da pandemia de Covid-19, o gaúcho precisava da informação para tomar decisões que poderiam, em última instância, significar vida ou morte.

Sair de casa e se arriscar por um abrigo? Ficar em casa e esperar a água baixar? Havia risco de desmoronamento naquela região? E o rio que passa perto daquele bairro: iria transbordar também?

No Rio Grande do Sul, a falta de informações claras e confiáveis tornou mais difícil para os indivíduos afetados e para os socorristas coordenarem os esforços de socorro e recuperação. Há relatos de pessoas que não saíram de suas casas imediatamente após o início das inundações por não terem uma dimensão real dos riscos.

Naturalmente, diante disso, explodiram relatos nas redes sociais que tentavam responder essas perguntas. Começava aí o segundo estágio desse desastre informacional: uma cacofonia ensurdecedora que impedia a boa compreensão dos fatos.

As notícias confiáveis, apuradas por profissionais, checadas, embasadas, perdiam espaço na disputa pela atenção. A queda de confiança no jornalismo, neste momento, tem uma consequência cruel.

Uma pessoa podia até ser alcançada por uma notícia de qualidade, mas não acreditava no que lia, por não ter mais há tempos confiança na imprensa tradicional, e preferir apenas seguir canais ou internautas que reforçam suas visões de mundo, crenças e paixões. A polarização política também traz dividendos perversos.

Uma orientação do governo estadual ou do federal ou a determinação das autoridades sobre evacuar uma região podia, para alguém nos extremos dos polos, ser interpretado como uma mensagem com motivações que não a de salvar vidas. A crise de confiança na imprensa e no Estado não é nova, mas se acentua em desastres informacionais.

O pânico nas enchentes e as informações falsas

O compreensível medo de perder tudo, a vida inclusive, impôs o terceiro estágio. Como diversos estudos comprovam, o pânico afeta a capacidade cognitiva de identificar uma informação falsa.

Fica muito difícil discernir informações qualificadas e confiáveis de conteúdos enganosos ou fora de contexto. E aí a disseminação de fake news se torna especialmente problemática, pois, se o acesso à informação de qualidade pode salvar vidas e evitar novos desastres, disseminando informações assertivas sobre assuntos de interesse público que são urgentes, o mesmo vale para conteúdo falso.

Numa tragédia climática, numa pandemia, num apagão logístico nos sistemas de comunicação, em grandes atentados à segurança pública, entre outros eventos, as orientações de segurança, abrigos, canais de socorro, formas de evitar doenças, vacinas etc. podem salvar vidas. E o inverso pode matar.

A coisa fica ainda mais grave porque o desastre informacional não opera apenas no curto prazo. O jornalista Sérgio Lüdtke, editor do Projeto Comprova e coordenador do Atlas da Notícia, fez um fio no X (ex-Twitter) sobre a importância de se cuidar do jornalismo local do Rio Grande do Sul daqui pra frente.

Os veículos vão precisar de apoio no médio prazo, para sobreviver à crise econômica que inevitavelmente atravessará o estado, devido aos prejuízos causados.

Com o volume de dinheiro que vem sendo prometido ou já liberado pelo governo federal, é possível que, no caso gaúcho, a crise não se perdure e os veículos sobrevivam.

Mas e na pandemia? Quantas vagas foram fechadas nas redações e até hoje não foram reabertas? Os efeitos a longo prazo podem ser, a depender do evento, muito mais duradouros e com chance de se aumentar a quantidade de desertos de notícias.

Deserto de notícias

O Brasil atualmente tem 2.712 municípios considerados desertos de notícias, com cerca de 26 milhões de brasileiros sem notícias sobre os lugares onde vivem.

Deserto de notícias é o termo cunhado para definir locais que não têm cobertura jornalística local, o que deixa a população mais vulnerável à corrupção e desastres informacionais, em casos de crises extremas.

No último censo do Altas da Notícia, publicado em 2023, notou-se uma redução de 8,6% no total de desertos, graças à “expansão do digital e a identificação de rádios comunitárias que produzem conteúdo noticioso”.

Curiosamente, o rádio a pilha tem sido um importante aliado no contexto de crise do Rio Grande do Sul, com muitas informações chegando à população somente via rádio, principalmente em cidades ilhadas. Uma mobilização tem estimulado a doação de rádios e pilhas a instituições que estão no apoio direto aos desabrigados e às equipes de socorro.

Nesse contexto, o jornalismo local encontra abrigo e reforça ainda mais sua relevância.

Entender como ocorrem os desastres informacionais é fundamental para que os governos e o Congresso formulem políticas públicas que nos protejam de seus efeitos.

Algumas lições são claras: a comunicação pública precisa se preparar melhor para enviar informações precisas e confiáveis à população; ações de educação midiática devem ser intensificadas para que mais e mais pessoas estejam aptas a ter uma leitura crítica do noticiário e das redes sociais; e o jornalismo local deve ser apoiado, já que é fundamental para proteger as populações desses vácuos informacionais que surgem em grandes tragédias.

A má notícia é que, com a inevitabilidade do aprofundamento da crise climática, não temos tempo a perder.

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