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E quem mandou difamar Marielle Franco?

Chegamos aos suspeitos de terem sido os mandantes da primeira morte da vereadora. Agora falta a da segunda.

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Renan Olza/Camara Municipal do Rio de Janeiro
Marielle Franco era vereadora do Rio de Janeiro (RJ) pelo PSol. Ela foi morta pelo miliciano Ronnie Lessa, apontado como "psicopata" em depoimento de delegado.
1 de 1 Marielle Franco era vereadora do Rio de Janeiro (RJ) pelo PSol. Ela foi morta pelo miliciano Ronnie Lessa, apontado como "psicopata" em depoimento de delegado. - Foto: Renan Olza/Camara Municipal do Rio de Janeiro

O corpo de Marielle Franco, alvejado por três tiros na cabeça e um no pescoço, e de seu motorista, Anderson Gomes, morto com três tiros nas costas, ainda estavam no local do crime quando uma série de fake news sobre a trajetória pessoal e política da vereadora do PSol começaram a circular, na noite do dia 14 de março de 2018.

A morte física não foi suficiente, era necessário matar também a sua memória e honra. E foi assim que deu-se início à tentativa de assassinar de novo Marielle, ao se atacar sua imagem e memória.

Os boatos que começaram a ser espalhados após a execução da vereadora, em sua maioria, tentavam ligá-la ao tráfico de drogas como forma de justificar a brutalidade do seu assassinato.

A vereadora foi falsamente acusada de ter sido casada com o traficante conhecido como Marcinho VP, de ter sido eleita pela facção criminosa Comando Vermelho, de ser usuária de drogas e defensora de bandidos.

Todas essas fake news tinham a intenção de associá-la a contravenções, numa tentativa perversa de criminalizar a vítima, justificando a violência que sofrera e diminuindo a comoção em torno de sua morte.

Por ser uma defensora de direitos humanos, houve quem dissesse que Marielle “foi morta pelos bandidos que defendia” e que, por isso, “provou do próprio veneno” – usando aqui alguns termos retirados de mensagens reais disseminadas sobre ela.

A estratégia provou-se eficaz e foi tão certeira que figuras públicas como o deputado Alberto Fraga (DEM-DF), um dos líderes da chamada “bancada da bala”, tuitou que Marielle era “ex-esposa do Marcinho VP”, traficante que comandava o tráfico na zona sul do Rio, “usuária de maconha” e “defensora de facção rival e eleita pelo Comando Vermelho”.

O parlamentar disse que fez a postagem após ler “várias publicações”, que, vale lembrar, já haviam sido identificadas como falsas. O tuíte foi posteriormente apagado. Diante da repercussão negativa, Fraga disse que se arrependia de não ter checado a informação antes de compartilhá-la e tirou tudo do ar como “prova” de que reconhecia o erro.

A desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) Marília Castro Neves classificou Marielle numa postagem como “cadáver comum” e a acusou de ter ligação com o crime.

“A questão é que a tal Marielle não era apenas uma ‘lutadora’; ela estava engajada com bandidos! Foi eleita pelo Comando Vermelho e descumpriu ‘compromissos’ assumidos com seus apoiadores”, publicou ela em sua página do Facebook.

Ao contrário do que afirmam, Marielle nunca foi casada com traficante e nem se tornou vereadora por causa do Comando Vermelho. Eleita para seu primeiro mandato em 2016, com 46,5 mil votos, Marielle obteve a maior parte dos seus votos da Zona Norte do Rio de Janeiro, cerca de 47% do total; seguidos pela Zona Sul (34% dos votos), reduto tradicionalmente de classe média; Zona Oeste (18%) e Centro (1%).

Na região em torno do bairro Bonsucesso, incluindo o conjunto de favelas Complexo da Maré, onde a vereadora nasceu e foi criada, Marielle recebeu apenas 7% dos seus votos. As informações são do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro.

Luta pela memória

A família de Marielle, que luta pela vida de sua memória desde que a vereadora foi assassinada, acionou a Justiça. A desembargadora quu difamou a vereadora se justificou dizendo que “reproduziu, sem checar a veracidade, informações que circulavam na internet”, “no afã de rebater insinuações, também sem provas, na rede social de um colega aposentado, de que os autores seriam policiais militares ou soldados do Exército”. Ironia do destino, isso, sim, era fato. Ronnie Lessa, o assassino confesso, havia sido policial militar.

Em março de 2021, Castro Neves foi absolvida do crime de calúnia pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Por unanimidade, o STJ concluiu que as retratações publicadas pela desembargadora na internet e em uma carta foram suficientes como pedido de perdão. São mesmo?

Seis anos depois da morte de Marielle, finalmente, chegou-se aos suspeitos de terem sido os mandantes de sua morte física. Agora, faz-se necessário também investigar e punir os que estão por trás da tentativa de sua morte virtual, espalhando fake news contra sua memória. As investidas para destruir a imagem de Marielle seguem circulando impunemente nas redes sociais, com figurinhas e memes que debocham de sua vida e trajetória.

A desinformação e o discurso de ódio caminham lado a lado e se retroalimentam. A desinformação, termo que engloba as diferentes molduras das chamadas fake news, usa narrativas que confundem, enganam e ajudam a reforçar crenças e preconceitos. Internet não pode ser terra sem lei. Injúria, calúnia, difamação e racismo são crimes off e online.

É só através da judicialização e criminalização de casos como o de Marielle que conseguiremos constranger esse tipo de desinformação, que assassina memórias e impacta a sociedade como um todo.

Assinada pelas jornalistas Clara Becker e Gabriela de Almeida Pereira, diretoras do Redes Cordiais, a coluna #NasRedes estreia nesta quinta-feira com a missão de semanalmente refletir sobre os impactos das redes sociais na nossa saúde física, mental e social, a partir de assuntos que estão em alta na internet.

Questões como educação midiática, desinformação, discursos de ódio, integridade da informação, democracia, segurança, privacidade, saúde mental e bem-estar digital são alguns temas que serão abordados neste espaço, sempre apontando para a construção de espaços digitais mais saudáveis.

  • Clara Becker é jornalista especializada em combate à desinformação e cofundadora do Redes Cordiais. É também formada em Letras pela UFRJ e coautora dos livros “The Football Crónicas” e “Los Malos”
  • Gabriela de Almeida Pereira é jornalista e diretora de relações institucionais do Redes Cordiais. Especialista em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça, é mestranda em Direitos Humanos e Cidadania na UnB, onde pesquisa sobre desinformação, raça e tecnologia. Sua carreira inclui passagens pela ONU Mulheres, Metrópoles, Veja Brasília e Correio Braziliense

 

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