Acabar com o STF não vai resolver os seus problemas
Ao enfraquecer a confiança na Suprema Corte, forças antidemocráticas criam espaço para a erosão de outros pilares do Estado de Direito
atualizado
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Como alertou Steven Levitsky no livro Como as democracias morrem, em qualquer país, controlar a Corte Suprema é uma das estratégias fundamentais de ditaduras contemporâneas. É o primeiro passo no manual do ditador. Não é à toa que campanhas de desinformação vêm sendo sistematicamente usadas para colocar em dúvida a legitimidade do Supremo Tribunal Federal no Brasil.
Ao enfraquecer a confiança na Suprema Corte, forças antidemocráticas criam espaço para a erosão de outros pilares do Estado de Direito, consolidando assim o controle político e reduzindo os freios institucionais ao poder do Executivo. Esse é um tema que merece um mergulho profundo, que considere também a atuação de integrantes do tribunal.
Alguns dados, contudo, refletem a eficácia dessa estratégia. Segundo o Datafolha, apenas 20% dos brasileiros confiam muito no STF, enquanto 38% afirmam não confiar na Corte. Já a pesquisa Atlas-Intel/Jota mostra um empate técnico: 44,9% confiam e 44,8% não confiam no tribunal. Entre os eleitores de Jair Bolsonaro, a desconfiança é ainda mais alarmante: 91% não confiam no STF, e apenas 2% expressam confiança.
Essa deterioração da confiança não acontece por acaso. É fruto de um método que tem na desinformação um elemento-chave na escalada dos ataques ao STF. Campanhas coordenadas inundam as redes sociais com conteúdos enganosos, meias-verdades e mentiras deliberadas, questionando a integridade e a legitimidade da Corte. De acordo com a Secretaria de Comunicação do STF, o tribunal é mencionado mais de 100 mil vezes por dia nas redes sociais, e 70% dessas menções têm um tom negativo.
Essas narrativas se mostram particularmente eficazes em um cenário de polarização política. Para os opositores do STF, cada decisão judicial controversa é transformada em prova de que a instituição está agindo contra os interesses populares ou favorecendo um determinado grupo político.
O efeito cumulativo dessas campanhas é evidente: a confiança no STF está profundamente fragilizada, especialmente entre setores mais polarizados. Isso não apenas ameaça o funcionamento da democracia, mas também cria um terreno fértil para a radicalização e a violência política.
A transição de ataques retóricos para ações violentas contra o STF marca um ponto de inflexão perigoso. Quando a desconfiança se enraíza profundamente, a violência pode se tornar um meio de buscar alívio emocional ou de reafirmar uma visão de mundo.
Os ataques físicos recentes ao STF são exemplos concretos de como a vilanização de uma instituição pode desencadear comportamentos extremos. Esse fenômeno não é exclusivo do Brasil – em todo o mundo, instituições democráticas têm sido alvo de violência política, frequentemente precedida por campanhas de desinformação e polarização.
A vilanização do STF pode ser explicada por fatores políticos e sociais, parte deles possivelmente atrelados à atuação dos ministros. Conrado Hübner Mendes, professor de Direito Constitucional da USP, aponta erros institucionais que minam sua legitimidade e alimentam a desconfiança pública.
Entre eles, estão o excesso de protagonismo político, a falta de transparência, o uso abusivo de decisões monocráticas, a escolha de ministros por critérios políticos, a judicialização excessiva de temas sensíveis e a comunicação ineficaz com a sociedade. A exposição midiática exagerada e os conflitos públicos entre os ministros reforçam a percepção de desorganização, tornando o STF alvo fácil de desinformação e ataques que ameaçam a democracia.
Há ainda fatores comportamentais, de natureza humana. Em um contexto de estresse coletivo, agravado pela sensação de escassez – seja ela econômica, social ou emocional –, as pessoas tendem a buscar um culpado para os problemas que enfrentam.
Como Dan Ariely explora no livro Desinformação, a busca por um vilão oferece uma sensação momentânea de alívio, dando à população um alvo claro para direcionar sua frustração e ansiedade. No Brasil, o STF foi escolhido como esse alvo ideal: uma instituição que exerce poder de decisão, muitas vezes incompreendido, e que se tornou o símbolo de um sistema visto por muitos como parcial, favorável a determinado grupo político.
A verdade é que o Brasil passou nos últimos 10 anos por momentos de aguda crise política e de rápidas mudanças sociais. E o STF foi chamado a arbitrar inúmeros conflitos complexos. Qual é uma maneira relativamente fácil de reduzir a desconfortável sensação de incerteza, de estar fora de controle? Simples: culpe o STF.
Se você sente que está sem controle, alguém mais deve estar controlando as coisas; se você está em desvantagem, alguém deve ter uma vantagem injusta.
Nessas horas, é importante ter clareza da complexidade da função institucional do STF e de que as críticas legítimas ao seu funcionamento devem nos levar a reformas que fortaleçam a transparência, eficácia e imparcialidade da Corte, sem afetar sua autonomia e seu caráter contra majoritário, fundamental para a preservação das liberdades cívicas e do pluralismo democrático. Acabar com o STF não vai resolver nossos problemas, longe disso.