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Trump versus Kamala: a imprensa parcial (pleonasmo) é um show à parte

No duelo entre Trump e Kamala, os jornais e emissoras estão onde sempre estiveram, só que com menos escrúpulos. É um espetáculo em si

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Imagem colorida de Kamala Harris e Donald Trump - Metrópoles
1 de 1 Imagem colorida de Kamala Harris e Donald Trump - Metrópoles - Foto: Getty Images

Trump versus Kamala: a imparcialidade da imprensa é um mito — ou, em muitos casos, uma mentira cabeluda. Se nem a Justiça é totalmente imparcial, como exigir essa impossibilidade do jornalismo?

A imprensa americana está onde sempre esteve, só que com menos escrúpulos: a favor de Donald Trump, tem-se a Fox News e o Wall Street Journal; a favor de Kamala Harris, estão a CNN, o New York Times e o Washington Post. Cito apenas os grandes veículos a que tenho acesso diário.

A Fox News é ainda mais divertida do que a CNN, porque não tenta passar a mínima imagem de que é imparcial. Não tem nenhum traço de hipocrisia. Ontem, já estava chamando Kamala Harris de “San Fran Kamala”. Como a candidata democrata foi procuradora em São Francisco, os trumpistas passaram a associá-la à cidade que hoje mais representa a degradação urbana produzida pelas políticas laxistas da esquerda.

Tanto a Fox News como o Wall Street Journal pertencem ao tycoon australiano Rupert Murdoch. Aos 93 anos, ele se casou recentemente pela quinta vez, agora com uma russa. Antes do quinto casamento, viveu, sem união formal, com a ex-modelo inglesa Jerry Hall, que foi mulher de Mick Jagger.

Rupert Murdoch se separou de Jerry Hall por meio de uma mensagem sucinta, do tipo “não quero mais”. Ela não teve direito nem a um telefonema dele e retirou as suas coisas da casa do tycoon vigiada por seguranças. Fiquei com pena de Jerry Hall, mas não durou mais do que um minuto. Ela é rica, eu não sou, e compreendi o lado de Rupert Murdoch. Esse negócio de dar muito adeus é para jovens, velhos não têm tempo a perder. Velhas também não, só para deixar claro.

O tycoon australiano está em uma batalha jurídica. Há 25 anos, ele fez um trust para beneficiar os seus filhos. Um trust é irrevogável, mas Rupert Murdoch quer modificá-lo, porque só o filho mais velho é conservador como ele. Os outros três têm ideias progressistas, e o tycoon teme que, depois da sua morte, eles arruinem as suas emissoras e os seus jornais, consumidos à direita do espectro político, implantando uma linha editorial de esquerda.

Onde li? No New York Times, que teve acesso a documentos judiciais, provavelmente repassados ao jornal por uma fonte de esquerda. Seria impossível ler tal notícia em primeira mão em qualquer jornal de Rupert Murdoch. A parcialidade, desde que tenha antagonismo à altura, pode ser boa para o jornalismo.

As emissoras e jornais do lado democrata correm contra o tempo para construir a imagem de Kamala Harris como uma política original e determinada. É o exato contrário do que ela foi como vice-presidente. E as suas gafes se transmutaram em saudáveis demonstrações de espontaneidade. O fato de ser negra também está sendo explorado eleitoralmente, embora os seus pais fossem de classe média alta, o que é convenientemente deixado de lado. Ah, sim, e sem ela na Casa Branca, será o fim da democracia.

Do lado republicano, as emissoras e os jornais pintam Donald Trump como um mártir da liberdade. Já era assim por causa dos processos que ele enfrenta, e o atentado obviamente ajudou bastante na tarefa. Kamala Harris, por sua vez, é a extrema esquerda que destruirá de vez os Estados Unidos e o modo de vida americano.

Ontem, depois do pronunciamento televisivo de Joe Biden, os jornalistas em linha com o Partido Democrata previsivelmente esqueceram o fato de o presidente não ter explicado por que decidiu abandonar o objetivo de ser reeleito. Eles, afinal de contas, omitiram durante anos a decrepitude de Joe Biden. 

Os jornais em linha com o Partido Republicano obviamente não deixaram passar a questão. Especulam que o presidente gagá foi obrigado a renunciar à candidatura pelos caciques do seu partido (“cassado por um golpe de estado de Nancy Pelosi e Barack Obama”, segundo Donald Trump)  e que Kamala Harris é teleguiada pelos mandachuvas da agremiação democrata.

O jornalismo americano, na sua gloriosa parcialidade, é um espetáculo à parte nesta espantosa campanha presidencial que os jornalistas preferem chamar de “histórica”, como se esse adjetivo ajudasse a vender mais jornais e a ter mais audiência. 

Em apenas três semanas, ela teve o debate que explicitou a decrepitude de Joe Biden, o atentado a tiros contra Donald Trump, a desistência de Joe Biden e a candidatura da improvável Kamala Harris. Pouco antes, não é de somenos, havia ocorrido a condenação criminal do republicano por ter comprado o silêncio de uma prostituta com a qual andou se esbaldando.

Tudo isso poderia ter muito menos graça, porém, se não fosse a imprensa parcial (perdão pelo pleonasmo). Espero que Rupert Murdoch consiga mudar o seu trust para que continuemos a contar com a diversão que ele e os seus concorrentes proporcionam.

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