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Trump venceu também os jornalistas que vendiam Kamala como estadista

A imprensa ajudou a eleger Trump ao guiar-se por ideologia e vender Kamala como estadista. Mas há um ganho comercial na sua derrota

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Chip Somodevilla/Getty Images
O candidato presidencial republicano, o ex-presidente dos EUA Donald Trump, aponta para apoiadores da ex-primeira-dama Melania Trump durante um evento noturno eleitoral no Palm Beach Convention Center em 06 de novembro de 2024 em West Palm Beach, Flórida. Os americanos votaram hoje na corrida presidencial entre o ex-presidente candidato republicano Donald Trump e a vice-presidente Kamala Harris, bem como nas múltiplas eleições estaduais que determinarão o equilíbrio de poder no Congresso
1 de 1 O candidato presidencial republicano, o ex-presidente dos EUA Donald Trump, aponta para apoiadores da ex-primeira-dama Melania Trump durante um evento noturno eleitoral no Palm Beach Convention Center em 06 de novembro de 2024 em West Palm Beach, Flórida. Os americanos votaram hoje na corrida presidencial entre o ex-presidente candidato republicano Donald Trump e a vice-presidente Kamala Harris, bem como nas múltiplas eleições estaduais que determinarão o equilíbrio de poder no Congresso - Foto: Chip Somodevilla/Getty Images

A imprensa americana, e também a de outros países do Ocidente, está desnorteada com a vitória acachapante de Donald Trump na eleição presidencial dos Estados Unidos, embora ela estivesse diante do seu nariz. Compreensível: para uma imprensa que se deixa guiar inteiramente pelas suas preferências ideológicas, mas ainda vendendo hipocritamente o mito da sua imparcialidade, o pensamento mágico infantil é o de que os cidadãos perceberão a realidade da mesma forma que ela e farão tudo o que a sua mestra mandar.

O efeito da artilharia pesada da imprensa e da máquina democrata contra Donald Trump durante todos esses anos teve efeito contrário ao pretendido — ajudou a elegê-lo porque o confirmou no seu papel favorito de vítima do sistema e de uma elite política cada vez mais distante da América profunda, cujos valores tradicionais são menosprezados e ridicularizados por quem se julga farol da humanidade. No papel, portanto, de antípoda ao sistema.

As circunstâncias favoreceram Donald Trump, e ele soube explorá-las: a inflação no supermercado, o preço exorbitante das casas, o sentimento de insegurança nas ruas, alimentado pela política laxista dos governadores democratas, a impressionante ausência de controle nas fronteiras.

Todos esses aspectos foram continuamente negados pela imprensa, em maior ou menor grau, como se a realidade dos cidadãos fosse uma ilusão que pudesse ser desmentida na catedral de estatísticas e análises enviesadas. Não se aprendeu a lição de que, quando há uma discrepância entre a realidade subjetiva de uma grande massa de pessoas e a que se quer objetiva, é preciso rever e relativizar a segunda, não questionar a primeira.

A imprensa americana, mas não só ela, participou ativamente da farsa democrata de tentar esconder a verdadeira condição física e mental de Joe Biden. Quando não foi mais possível continuar essa farsa, participou de uma segunda: a de passar a ideia de que Kamala Harris era uma estadista, imagine só, e representaria a mudança requerida pelos cidadãos, apesar de ser vice do presidente campeão de impopularidade.

Kamala Harris não tinha a nada a dizer, a mudar, a acrescentar. Restou-lhe o ativo de ser a primeira mulher e negra a disputar a Casa Branca. Mas o simbolismo se revelou sem grande valia, e não por causa da misoginia para os quais analistas apontam o dedo, talvez tão apressadamente quanto o fizeram na construção da candidatura da democrata. Não lhes passa pela cabeça que Hillary Clinton, em 2016, e Kamala Harris, que teve menos votos de mulheres do que Joe Biden, eram as candidatas erradas, simplesmente.

Chegou a hora de os políticos americanos, principalmente os democratas, pararem de dividir a sociedade dos Estados Unidos por gênero e etnias de maneira tão esquemática, que foi agravada pelo identitarismo. Os negros, como Kamala Harris, e os hispânicos em situação regular, já na segunda, terceira ou quarta gerações, veem a imigração ilegal com a mesma preocupação dos brancos ou até com preocupação maior. Os mais pobres e os simplesmente remediados de todas as cores de pele sentem duramente os efeitos da alta de preços. Ninguém gosta de mais impostos, seja para quem for, ao contrário do que acreditam os democratas: é contra o sonho americano de prosperidade e riqueza.

Donald Trump embaralhou os lugares-comuns nascidos da visão esquemática, inclusive o de que os mais jovens seriam necessariamente contra ele. Pegue-se o caso de Wisconsin, bastante ilustrativo. Nesse estado pêndulo, os resultados mostram que, em relação à eleição de 2020, Donald Trump obteve o dobro de votos dos negros. Entre os eleitores de 18 a 29 anos, ele empatou com Kamala Harris. No universo dos jovens que estavam votando pela primeira vez, o republicano conseguiu arrebanhar impressionantes 58% dos votos.

O incontrolável Donald Trump venceu, e teremos quatro anos de muita estridência tanto da parte dele e dos seus simpatizantes, como do lado dos democratas e da imprensa que lhes serve de linha auxiliar — e que terá sempre o manto da sua função fiscalizadora para encobrir outro aspecto não menos vital para a democracia, digamos assim.

Falar de Trump, guerrear com Trump, perseguir Trump, ofender Trump e ser ofendido por Trump, defender Trump, entrar no jogo de Trump, o do conflito permanente, vende mais jornais, dá um empurrão nas assinaturas, aumenta a audiência de emissoras e sites de notícias. Foi o que ocorreu no primeiro mandato do republicano. Há um ganho comercial na derrota ideológica da imprensa, e também por isso não se espere que os jornalistas reflitam sobre os seus erros.  “O principal negócio do povo americano é fazer negócios”, presidente Calvin Coolidge, 1925.

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