Sempre haverá lugar no circo para os mágicos da esquerda, Haddad
Haddad está preocupado com os “clowns” da direita extremista. Para ele, Tarcísio é extremista. Mas há lugar para todos no circo político
atualizado
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Fernando Haddad deu uma entrevista muito ilustrativa à Folha. Ilustrativa do pensamento de esquerda, que é pensamento nenhum.
Depois de discorrer a respeito do desaparecimento das três referências da esquerda mundial, o sistema soviético, o nacional-desenvolvimentismo e a social-democracia europeia, veja-se a resposta do ministro da Fazenda sobre qual seria o sonho utópico da esquerda:
“Você precisa se reapresentar para a sociedade. Eu falei de três estruturas que tiveram pensadores associados a elas. Havia o pessoal mais radical do Partido Comunista. Mas havia projetos sem revolução também. O Estado brasileiro desenvolvia a sua economia, a América Latina crescia, depois isso migrou para a Ásia, a social-democracia funcionava.
Mesmo sabendo de todos os problemas desses três modelos, eles eram promessas. E a promessa sempre fez parte da política. A política é promessa. É projeto.”
É a admissão do vácuo absoluto de ideias e de propostas a partir das quais se constroem promessas e projetos.
O ministro da Fazenda, contudo, acha que o vácuo não é exclusividade da esquerda. Que o liberalismo também está em crise:
“Esse vácuo afeta igualmente o liberalismo, que também está em crise. O que existe hoje não é uma direita liberal, é uma direita iliberal. Que, no Brasil, se manifesta com requintes de crueldade, por causa da questão patrimonialista terrível no país. Aqui, grupos organizados tentam abocanhar fatias do Estado, como é o caso dessas privatizações. Elas estão sendo feitas sob aplauso de muita gente. Mas, se radiografar o que aconteceu na Eletrobras, o que aconteceu na Sabesp, qualquer observador internacional isento dirá que é um escândalo.”
É típico da esquerda tentar passar a ideia (desonesta) de que privatizações significam o abocanhamento de fatias do Estado por grupos organizados. Mas esse lugar-comum universitário não resiste à prova da realidade: o patrimonialismo terrível citado por Fernando Haddad nunca significou privatizar empresas estatais por meio da compra delas por particulares, mas tratar o próprio Estado como propriedade privada, aí incluídas as suas empresas.
É o que fizeram o PT e os seus comparsas com os fundos de pensão das estatais, com os bancos públicos e com a Petrobras. E nem é preciso radiografia para constatar a apropriação indébita: os arquivos da Justiça, se não foram queimados, estão aí para ser consultados.
Como não poderia deixar de ser, Fernando Haddad distribui a pecha de extremista de direita com a mesma facilidade com a qual colocava a máscara de Lula na campanha de 2018.
Ao responder sobre se o governador Tarcísio de Freitas pode ser considerado um extremista, o ministro da Fazenda afirmou:
“A pessoa come de garfo e faca, conversa com você, não te xinga. Mas qual é o projeto dela? É cassar ministro do Supremo? É vender patrimônio público como foi feito com a Sabesp e com a Eletrobras? É cortar direitos sociais? É colocar a democracia em xeque? É questionar voto em urna eletrônica? É defender escola cívico-militar? É proibir educação ambiental nas escolas? É questionar vacina? Para mim, é extremismo.”
É interessante porque, apesar de ter Jair Bolsonaro como padrinho político, o extremista Tarcísio de Freitas foi diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutra de Transportes, o Dnit, na gestão de Dilma Rousseff, a quem o governador fez elogios recentemente. E o chefão de Fernando Haddad, o presidente Lula, em um evento no Porto de Santos, com a presença do governador, pediu, em tom de brincadeira, para Tarcísio de Freitas “voltar para o PT”.
Como o governador pode ser o grande nome da oposição na eleição presidencial de 2026, está claro que Fernando Haddad quis alvejá-lo por necessidade eleitoral, que nem sempre é diferente de necessidades fisiológicas. Tudo bem, em algum momento, durante uma conversa cordial, quem sabe até durante um almoço com garfo e faca, Fernando Haddad dirá a Tarcísio de Freitas que o jogo é este mesmo, imprensa, sabe como é, sem ressentimentos e coisa e tal.
Ao que Tarcísio de Freitas poderá responder que entende, afinal de contas, o PT também pode ser considerado extremista: tem como linha auxiliar um partido como o PSol, cujo programa é “anticapitalista e anti-imperialista” e no qual está escrito que “a classe dominante brasileira é sócia da dominação capitalista” (aliás, o PT que se cuide, porque, para o PSol, “Lula entregou-se aos antigos adversários” e “transformou-se num agente na defesa dos interesses do grande capital financeiro”).
Já no plano externo, Tarcísio de Freitas poderá exemplificar o extremismo petista ao lembrar a Fernando Haddad a amizade do governo Lula com ditaduras de esquerda na América Latina, que levou o Brasil a ser cúmplice da gigantesca fraude eleitoral na Venezuela, a solidariedade aos grupos terroristas Hamas e Hezbollah e, no seu antiamericanismo cego, as alianças com o russo Vladimir Putin e com o chinês Xi Jinping.
Fernando Haddad disse que, no vácuo deixado pela esquerda e pela direita liberal, os “clowns” da direita distópica ocuparam o “picadeiro”. Ele não precisa ter receio: sempre haverá lugar para os mágicos da esquerda e para os domadores da direita liberal. O circo é suficientemente grande para todo mundo.
PS: na entrevista, para provar o seu ponto sobre o enfraquecimento da direita liberal, Fernando Haddad disse que “ninguém discorda de que (Emmanuel Macron) é um cara inteligente, jovem, dinâmico, que está revitalizando a economia da França. E ele ficou em terceiro lugar nas eleições para a Assembleia”. Macron estourou as contas públicas francesas e, hoje, o país está entre os mais deficitários e endividados da zona do euro. Será que Fernando Haddad, abracadabra, pé de cabra, acha que revitalizar a economia requer arrombar os cofres governamentais?