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Sem Twitter, recorri ao discurso da servidão voluntária

Sob o impacto do bloqueio do Twitter, fui reler o Discurso da Servidão Voluntária, de Étienne de La Boétie. As suas palavras ecoam atuais

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Celular com imagens do site e logo do Twitter em frente ao STF -- Metrópoles
1 de 1 Celular com imagens do site e logo do Twitter em frente ao STF -- Metrópoles - Foto: null

O meu refúgio é a minha pequena biblioteca. É lá que encontro paz, reencontro amigos e procuro explicações para fatos espantosos, como o ocorrido ontem neste Brasil de cidadãos cada vez menos livres e, agora, também desprovidos de Twitter.

Sob o impacto da retirada da rede social do ar, recorri ao francês Étienne de La Boétie. Ele morreu muito cedo, antes de completar 33 anos, em 1563, mas deixou dois legados. Graças a ele, Michel de Montaigne escreveu o ensaio sobre a amizade. E o próprio La Boétie produziu outro texto que julgo também seminal.

É o Discurso da Servidão Voluntária, que li na faculdade, onde tive aula com quem o traduziu para o português, o professor Laymert Garcia dos Santos. A edição bilíngue, com folhas já soltas pela má costura do volume, tem trechos grifados pelo estudante de 20 anos.

A tese de La Boétie, melhor seria dizer constatação, é que só há senhores porque há quem se disponha a sujeitar-se como servo — daí a “servidão voluntária”.

Ele chegou a essa expressão depois de se perguntar por que tantos se submetem docilmente a um opressor:

“Mas, ó Deus, o que é isso? Como chamaremos esse vício, esse vício horrível? Não é vergonhoso ver um número infinito de homens não só obedecer mas rastejar, não serem governados mas tiranizados, não tendo mais bens, nem parentes, nem crianças, nem a sua própria vida que lhes pertençam. Aturando os roubos, os deboches, as crueldades, não de um exército, não de uma horda de bárbaros, contra os quais cada um deveria defender sua vida a custo de todo o seu sangue, mas de um só: não de um Hércules ou de um Sansão, mas de um homenzinho. Chamaremos isso de covardia?”

La Boétie conclui que não é covardia. É certa propensão humana à servidão voluntária da qual não poucos tiram proveito, para além do senhor a quem se submetem:

“Como dizem os médicos, se há em nosso corpo alguma coisa estragada, essa parte bichada atrai para si as partes onde antes não havia nada. Do mesmo modo, logo que um rei declara-se tirano, tudo o que é ruim, toda a escória do reino, reúne-se à sua volta e o apoia para participar da presa e serem eles mesmos tiranetes sob o grande tirano.”

O melhor amigo de Montaigne diz que para derrubar um tirano (os tirantes que o rodeiam) não é preciso lutar contra ele. Basta deixar de obedecê-lo, vencendo primeiramente a nossa propensão à servidão voluntária.

La Boétie falava do absolutismo, no século XVI, mas as suas palavras ecoam atuais nas latitudes nas quais há uma Justiça que prefere ser só obedecida e temida a ser respeitada.

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