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Reunião no STF: o Brasil é o país onde se acha normal o que é estranho

Essa reunião dos três poderes no STF, por exemplo, foi tratada como se fosse a coisa mais normal do mundo. Mas é estranha

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Henrique Raynal/Casa Civil
Imagem colorida de reunião no STF entre os três poderes -- Metrópoles
1 de 1 Imagem colorida de reunião no STF entre os três poderes -- Metrópoles - Foto: Henrique Raynal/Casa Civil

Ontem, no Brasil, houve uma reunião no STF entre personagens graúdos dos três poderes para tentar chegar a um consenso sobre o impasse na liberação de dinheiro de emendas parlamentares.

Quando era editor, eu aconselhava os repórteres que cobriam política brasileira a cultivar o olhar de um viajante estrangeiro, proveniente de nação civilizada, que foi encarregado de relatar o que se passa em uma tribo longínqua no outro lado do mundo.

 

O olhar de viajante de uma nação civilizada permite que se tenha o distanciamento necessário para não achar normal o que é estranho. Em geral, os jornalistas que fazem a cobertura do que vai por Brasília e nos estados pecam por fazer o contrário: de tanto normalizar o que é estranho, acabam achando estranho o que é normal.

Essa reunião no STF, por exemplo, foi tratada como se fosse a coisa mais normal do mundo. Mas é estranha. Como é que o Judiciário pode participar de discussão política entre o Legislativo e o Executivo sobre as formas de liberação de dinheiro público?

Já batuquei neste teclado que o Judiciário virou poder político e que besteira era não viver a realidade. Foi uma ironia. O estranhamento em relação a esse fato seria bem-vindo da parte da imprensa, porque mistura de poderes não é harmonia entre os poderes.

No entanto, os meus colegas não acham nada excêntrico. Eles se limitam a escrever ou dizer na televisão que “apuraram com uma fonte” isso e aquilo a respeito de situações que deveriam ser consideradas espantosas, e vida que segue.

Há poucos dias, o então corregedor do CNJ fez um balanço da sua gestão que está chegando ao fim. Lá pelas tantas, ele disse que o Judiciário brasileiro é diferente dos demais porque implementa políticas públicas. 

Não tenho dúvida sobre as boas intenções do CNJ, mas também não tenho dúvida sobre a diferença do Judiciário brasileiro em relação a seus congêneres estrangeiros ser tão notável quanto excêntrica, visto que políticas públicas, nas democracias, deveriam ser implementadas apenas por quem tem mandato popular para tanto.

Pelo que veio à tona da reunião no STF, ela foi tensa.

Deputados e senadores não querem abrir mão de mandar bilhões de reais para os seus feudos eleitorais (na mais benigna das hipóteses), sem ter de prestar satisfação a ninguém. 

O Executivo, por sua vez, quer enviar diretamente, em seu próprio nome, uma parte maior desses bilhões para onde o presidente da República e o seu partido acham que podem obter mais votos em 2026.

Por fim, os ministros do STF querem evitar a retaliação de deputados e senadores, furiosos com a decisão de Flávio Dino de suspender o pagamento de emendas sem remetente e destinatário conhecidos, para eles mais um exemplo de que o tribunal age em dobradinha com o Palácio do Planalto nas, digamos, políticas públicas. Os parlamentares ameaçaram, veja só, com a aprovação de leis que limitam o poder político do STF. Mas nada que não possa ser retirado da pauta, entendeu?

Toda essa barganha não causou espanto entre os meus colegas desprovidos do olhar de viajante estrangeiro, em outra prova de que o jornalista é mesmo alguém que errou de profissão. A situação é normalíssima, porque, você sabe, “eu apurei com uma fonte que me disse o seguinte…”.  

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