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Reforma tributária é bem que vem para o mal dos burros de carga: nós

Ao ler sobre a reforma tributária, concluí-se que realista é quem acha que, ao morrer, uma coisa só é certa: ele deixará de pagar impostos

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Fernando Haddad entrega a Arthur Lira a proposta de regulamentação da reforma tributária -- Metrópoles
1 de 1 Fernando Haddad entrega a Arthur Lira a proposta de regulamentação da reforma tributária -- Metrópoles - Foto: VINÍCIUS SCHMIDT/METRÓPOLES @vinicius.foto

Ao ler tudo o que se escreveu sobre a reforma tributária, ocorreu-me que o otimista é o sujeito que, na sua derradeira ida ao hospital, acredita que irá para o paraíso. Já o pessimista é aquele que, na mesma situação, pensa que são grandes as chances de ele ir para o inferno. O realista, por sua vez, é o que conclui que, não importa o que aconteça depois da morte, uma coisa só é certa: ele deixará de pagar impostos.

A imprensa está animada com a simplificação do pagamento de impostos ao governo, com IVA de quase 30%. Devemos ficar contentes porque o manicômio fiscal será um campo de trabalhos forçados organizado.

Saberemos, finalmente, o quanto pagamos de impostos ao fazer nossas compras, comemora a imprensa (e também os economistas).

Ao sabermos quanto estamos pagando a cada compra, poderemos exigir mais contrapartidas do Estado em termos de serviços e ficará mais evidente o descalabro estatal, dizem os otimistas que acreditam que a derradeira ida ao hospital é uma boa viagem. 

Entendi, teremos a revolução da nota fiscal, com multidões nas ruas. Francamente, tem gente que gosta mesmo de saber como é traída.

Já tive empresa, sei como a atual selva selvagem brasileira dá trabalho aos departamentos de contabilidade e como comporta riscos. A  simplificação é um bem que vem para o mal, porque a questão de superfície permanece: os brasileiros trabalham 147 dias por ano somente para pagar impostos. Burros de carga.

De acordo com Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, é mais do que o dobro do que se pagava na década de 1970. 

É o preço de ter atribuído ao Estado uma série de responsabilidades — e ele vem nos oferecendo, em troca, serviços públicos que, no geral, oscilam entre ruins e péssimos. Incha-se a máquina estatal para quase nada ou muito pouco.

Não é impressionismo. Em 2018, o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário fez um estudo sobre a relação da carga fiscal com o retorno à população em termos de qualidade de vida. Dos 30 países nos quais os cidadãos pagam mais impostos, ficamos no último lugar. De lá para cá, não é que a situação tenha melhorado, convenhamos.

Para se ter ideia, neste ano, a arrecadação de tributos alcançou R$ 1 trilhão 21 dias antes do que em 2023, segundo o impostômetro da Associação Comercial de São Paulo. Vão dizer que isso aconteceu por termos mais gente empregada e a renda ter aumentando um pouquinho. Eu sei, mas nada disso justifica o peso da carga tributária sobre o nosso lombo.

Agora, temos essa reforma tributária e a proposta concreta da sua regulação. Economistas e jornalistas julgam ser a reforma econômica mais importante desde o Plano Real, há 30 anos. Bem, o fato de ser a mais importante não significa necessariamente ser a mais fundamental. 

O Plano Real exterminou a hiperinflação, enquanto essa reforma tributária não foi feita para diminuir impostos, mas para nos separar mais facilmente do nosso dinheiro — que continuará a ser mal gasto de maneira transparente, o que é sadismo, ou à socapa, como em orçamentos secretos, o que é roubo.

Há uma série de exceções na reforma tributária de setores que estão isentos ou pagarão menos IVA, e outras deverão ser incluídas na regulamentação pelo Congresso. O economista Samuel Pêssoa disse ao jornalista Luiz Guilherme Gerbelli que “o principal risco vem dos grupos de pressão. É foie gras virar cesta básica”.

O IVA da vida real poderia ser menor se não houvesse tantas exceções, dizem todos. Como sempre, somos nós, os pagadores de impostos, que financiaremos o que, no final das contas, é subsídio, seja na forma de abatimento do IVA, seja na forma de cashback para miseráveis.

Desde que o mundo é mundo, as exceções confirmam os fardos fiscais. Voltemos a 196 antes de Cristo.

Na inscrição da Pedra da Rosetta, a fantástica descoberta do arqueólogo francês Jean-François Champollion que permitiu a decifração dos hieróglifos egípcios, uma parte do texto é sobre as desonerações fiscais concedidas aos sacerdotes egípcios. 

As desonerações foram em troca do apoio deles ao jovem faraó Ptolomeu V, no poder havia um ano. Como a sua dinastia era de origem grega, ele precisava de suporte local. Estamos falando do ano196 antes de Cristo. Adivinhe quem pagou? Sou um realista.

  

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