Reflexão sobre a censura prévia e privatizada imposta pelo TSE
Extraí uma curta reflexão sobre a decisão do TSE de responsabilizar as plataformas digitais por veiculação de conteúdo considerado ilícito
atualizado
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Extraí uma curta reflexão sobre a decisão do TSE de responsabilizar as plataformas digitais por veiculação de conteúdo tido como ilícito.
Se você ficou desacordado nos últimos dias, saiba que caberá às plataformas identificar e remover conteúdos “notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral”. Elas deverão fazer isso ainda que não haja decisão judicial determinando a remoção. A decisão do TSE vai de encontro ao artigo 19 do Marco Civil da Internet, que virou terra arrasada.
Na prática, o TSE não apenas estabeleceu a censura prévia no Brasil, como a privatizou. Serão as big techs a decidir o que será mantido no ar ou não.
Como sempre digo, o diabo mora nos advérbios. No caso, são esses “notoriamente” e “gravemente”. O que isso quer dizer?
Na campanha eleitoral de 2022, por exemplo, o TSE proibiu que se associasse Lula às ditaduras de Venezuela, Cuba e Nicarágua e que se dissesse que “o PT de Lula e Dilma já roubou demais”. Não parecem ser afirmações “notoriamente inveridícas ou gravemente descontextualizadas”.
O que vai acontecer é que as plataformas diante de questões adverbiais vagas serão substantivamente assertivas na retirada do ar de qualquer conteúdo que considerem ameaçador. Mesmo os verdadeiros, porque o TSE parece ser o reino da subjetividade.
A minha curta reflexão, contudo, é sobre outro ponto. Para além do autoritarismo, há certo messianismo nos protagonistas dessa cruzada contra fake news e discursos de ódio.
É como se fosse possível asseptizar a sociedade humana do que há de ruim ou simplesmente estúpido nela — e que compõem inextricavelmente a nossa própria humanidade.
Os messiânicos deveriam perguntar-se até que ponto eles não mentem para si próprios ao acreditar que são movidos apenas pelo amor à verdade e pelo desinteresse, na sua cruzada por uma assepsia social que seria o final da história.
Talvez a resposta os leve a abandonar o messianismo e adotar como lembrete este comentário de Flaubert:
“A estupidez consiste em querer concluir. O furor de querer concluir é uma das manias mais fatais e estéreis dos homens. Cada religião e cada filosofia afirmaram ter Deus, medir o infinito e conhecer a receita da felicidade. Que orgulho e que nada! Vejo, pelo contrário, que os maiores gênios e as maiores obras nunca concluíram”.