Qual é a preocupação de Bolsonaro e qual é o jogo de Mourão
Enquanto o primeiro tenta manter-se vivo e solto, o segundo procura o tom certo. O general pode ser o grande nome da direita em 2026
atualizado
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Jair Bolsonaro percebeu que o seu capital político estava sendo erodido rapidamente, por causa dessa gente aloprada, mas com método, que saiu de casa para bloquear estradas. Foi esse o motivo de ele ter pedido para que parassem com a baderna. Nenhuma palavra até agora sobre os bolsonaristas que foram para porta de quartel exigir intervenção militar. Por omissão, incluiu-as entre as manifestações que fazem parte do “jogo democrático”.
Coube ao general Hamilton Mourão acabar com as ilusões das vivandeiras que foram bulir com os granadeiros nos seus bivaques. Ele escreveu no Twitter, em três postagens:
“Brasileiros, há hoje um sentimento de frustração, mas o problema surgiu quando aceitamos passivamente a escandalosa manobra jurídica que, sob um argumento pífio e decorridos 5 anos, anulou os processos e consequentes condenações de Lula. Agora querem que as Forças Armadas deem um golpe e coloquem o País numa situação difícil perante a comunidade internacional. As manifestações ordeiras, em justa indignação, são bem-vindas. Vemos nelas famílias, idosos, crianças… Todos pessoas de bem. Está na hora de lançar um manifesto explicando isso e dizendo que temos força para bloquear as pautas puramente esquerdistas, além de termos total capacidade de retornarmos muito mais fortes em 2026. Precisamos viver para lutar no dia seguinte.”
Em entrevista ao Estadão, Hamilton Mourão já havia dito que o problema era ter permitido que Lula se candidatasse, mas que ninguém saiu às ruas para tentar impedir a reabilitação do petista, que o jogo foi aceito e, portanto, tratava-se de aceitar o resultado. Na verdade, Jair Bolsonaro e os seus partidários queriam ter Lula como adversário, porque achavam que era mais conveniente do ponto de vista eleitoral. Indagado pelo jornal se conversaria com o presidente eleito, caso fosse chamado a fazê-lo, Hamilton Mourão respondeu: “Lógico”. Tudo indica, aliás, que será ele a passar a faixa de presidente ao petista, na qualidade de vice, já que o atual inquilino do Palácio do Planalto deglutiu mal o despejo.
Hamilton Mourão parece estar à procura do tom certo: nem tão suave que pareça adesão, nem tão duro que afaste o eleitorado de direita que se assusta com essa gente que foi obstruir estradas e pedir intervenção militar. A sua cordialidade com Geraldo Alckmin, por exemplo, entra nessa segunda conta. Com esse equilíbrio, a depender das condições de temperatura e pressão, pode cacifar-se para tentar chegar ao Palácio do Planalto em 2026.
Embora continue a fazer juras de fidelidade a Jair Bolsonaro, Hamilton Mourão talvez vislumbre a possibilidade de ser ele o grande nome da direita daqui a quatro anos. As condições de temperatura e pressão podem, por exemplo, levar à condenação de Jair Bolsonaro num dos processos criminais que enfrenta. Como, ainda assim, o bolsonarismo sobreviverá a Jair Bolsonaro, por que não com o general? Na falta de opção, mesmo os mais radicais tapariam o nariz para votar numa versão mais diluída do antipetismo — que também não dá sinais de que morrerá tão cedo.
Neste momento, Jair Bolsonaro tem duas preocupações conexas: manter-se na superfície politicamente e escapar de uma condenação. A visita aos ministros do STF, para dizer que “acabou”, logo depois da sua declaração pública tardia e lacônica, já visa a esfriar os ânimos de quem, ao final, ainda que os processos desçam para a primeira instância, determinará se ele será condenado ou não, permanecendo elegível ou não. A preocupação também o levou a conversar com caciques do Centrão sobre a necessidade de ele ter blindagem jurídica sólida e de contar com um bom endereço em Brasília.
Enquanto isso, Hamilton Mourão faz o seu aquecimento. Vai quê.