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Por que tentam transformar fake news em problema maior do que enchente

Com o Rio Grande do Sul debaixo d’água, o grande problema são as fake news? Para certa imprensa, sim. Ideologia e partidarismo explicam

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Voluntários ajudam mulher após a enchente do Rio Guaíba inundarem as ruas da cidade de Porto Alegre no Rio grande do Sul RS - Metrópoles
1 de 1 Voluntários ajudam mulher após a enchente do Rio Guaíba inundarem as ruas da cidade de Porto Alegre no Rio grande do Sul RS - Metrópoles - Foto: Jefferson Bernardes/Getty Images

Com o Rio Grande do Sul debaixo d’água, o grande problema ser a enfrentado são as fake news?  Fake news estão impedindo o Estado brasileiro de ajudar as pessoas como deveria? 

De acordo com a imprensa (ou certa imprensa), a resposta é sim, as fake news vêm prejudicando enormemente operações de salvamento. Mas nenhum grande exemplo foi nos dado ver até agora. Há uma história aqui, outra acolá, mas sempre muito pontual, de gente que foi induzida a erro por acreditar em mentira lida em rede social. A indústria de fake news vem fracassando miseravelmente.

Nesse processo jornalístico, tenta-se incorporar duas verdades ao magro cardápio de fake news. A primeira verdade: a sociedade civil está tendo papel fundamental no socorro às vítimas da hecatombe pluviométrica.

Não fossem a solidariedade e a mobilização da sociedade civil (a verdadeira, não a formada pelas linhas auxiliares de partidos políticos), dezenas de milhares de pessoas teriam morrido no Rio Grande do Sul. Sociedade civil que cometeu a imprudência de prescindir da imprensa, cada vez mais desimportante, para se organizar nacionalmente. Rede social é mesmo um problema.

Essas dezenas de milhares de pessoas não teriam como ser salvas se contassem apenas com  a ajuda estatal. Mesmo que tivesse adquirido uma competência repentina, o Estado brasileiro, sozinho, não teria como dar conta imediata do tamanho da catástrofe que se abateu — e ainda se abate —sobre os gaúchos.

A segunda verdade: a insegurança andava grassando no interior do Rio Grande do Sul, com saques a casas e comércios alagados e vazios. Não era (não é) coisa de somenos.

A tentativa de transformar verdades em mentiras é porque é preciso salvar o Estado brasileiro de si próprio. É imperativo também manter a todo custo — inclusive o de vidas — a ideia falida de que o Estado máximo é o máximo, bem como aproveitar a oportunidade para divulgar a desonestidade de que quem critica governo e defende Estado mínimo não deveria criticar o governo porque defende Estado nenhum. A ideologia e o partidarismo exigem a indecência argumentativa, tanto na imprensa (ou certa imprensa) como fora dela.

No partidarismo, entra a emergência eleitoral: a tragédia gaúcha não pode ser para Lula o que a Covid foi Jair Bolsonaro. Como os bolsonaristas buscam anular a responsabilidade do seu líder com essa comparação (que acho despropositada, fique claro, embora isso não implique a absolvição do governo atual das suas responsabilidades), o negócio, companheiros, é ir além, fazer uma limpa geral e condenar toda e qualquer crítica legítima ao governo e a instituições estatais, como se todas fossem fake news produzidas pela redes sociais.

Vozes discordantes têm de ser censuradas e criminalizadas. Que sejam incluídas, portanto, no pacotão de fake news. É despudorado o uso da tragédia para amordaçar as redes com uma regulação feita por quem só quer calar adversários. Esses censores só não perderam a vergonha porque nunca a tiveram.

Enquanto jornalistas militantes berram contra as fake news, lembrou-se igualmente na imprensa (ah, a beleza das contradições de quem sobrevive por aparelhos) de que o governo de Dilma Rousseff reuniu um grupo de cientistas para avaliar o impacto das mudanças climáticas no país. Eles produziram, de 2013 a 2015, uma série de estudos intitulada Brasil 2040.

Os cientistas apontaram, entre outros perigos, que aumentaria exponencialmente a incidência de chuvas extremas no Sul do país. Exatamente como ocorre agora.

O grupo foi ouvido pelo governo que o formou? Não. Ficou inconveniente para uma administração que apostava na construção de grandes hidrelétricas na Amazônia dar atenção a cientistas que alertavam, em outro capítulo, para a redução da vazão dos rios da região.

Passada uma década, o que temos agora quanto às ações preventivas em escala nacional? A empolgante Marina Silva dizendo que é necessário criar uma “UTI climática”. 

É uma expressão que rende manchete, mas, na prática, qual é o plano do governo para prevenção de acidentes climáticos? 

O jornalista Sérgio Roxo, que entrevistou a ministra do Meio Ambiente de Lula,  fez a pergunta e obteve a seguinte resposta:

“O plano é uma tentativa de fazer um deslocamento da necessária abordagem de gestão do desastre para a gestão do risco. Nós não temos um similar (no mundo). A chuva vai acontecer do mesmo jeito, porque não se fez o trabalho preventivo a partir da Rio-92. Não só o Brasil, mas o mundo inteiro. O plano tem a característica de preparação e adaptação. Não é um plano de curto prazo. É um plano de médio e longo prazos. É um plano que já está em andamento, mas passa a ter uma estrutura.”

Depois de ouvir Marina Silva, dá para entender por que fake news parecem mais críveis do que a realidade — e também a urgência em transformar verdades em fake news.

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