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Por que não há nada de proporcional no tapa na cara dado por Quaquá

A defesa que o PT faz de Quaquá não tem respaldo cultural, histórico, moral e psicológico. Estapear a cara é ato de traição e de humilhação

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A confusão na promulgação da reforma tributária - Metrópoles
1 de 1 A confusão na promulgação da reforma tributária - Metrópoles - Foto: Gustavo Zucchi/Metrópoles

No Brasil, existe a homofobia de direita e a homofobia de esquerda, mas só a primeira é crime. O deputado petista Washington Quaquá, por exemplo, pode chamar o deputado bolsonarista Nikolas Ferreira de “viadinho”, e tudo bem. 

Passou a existir também no país a agressão física de direita e a agressão física de esquerda. E também só a primeira é crime. O mesmo Washington Quaquá deu um tapa na cara de outro deputado bolsonarista, Messias Donato, e o PT quer que o agredido pelo tapa é que seja cassado, não o agressor.

O xingamento homofóbico, o tapa na cara e as demais delicadezas ocorreram porque os bolsonaristas estavam chamando Lula, presente à sessão no Congresso, de “ladrão”.  

Para pedir a cassação de Messias Donato, o partido afirma que o deputado bolsonarista fez um “gesto que visava derrubar seu equipamento de filmagem (o celular de Washington Quaquá) e o impedir de continuar a registrar o comportamento indecoroso dos parlamentares que atacavam grosseiramente o presidente da República”.

O PT diz que a reação de Washington Quaquá foi proporcional: “afirma-se desde logo que, ato contínuo, num comportamento admitido pelo Direito (legítima defesa e/ou retorsão imediata), o deputado federal reagiu à agressão sofrida, dentro dos parâmetros da proporcionalidade”.

Washington Quaquá acredita nisso e disse que daria o tapa de novo, até mais de um, se fosse preciso.

A sessão conjunta do Congresso a que Lula compareceu, a da aprovação da reforma tributária, foi um espetáculo de degradação de ambas as partes — tanto de quem gritou que Lula é “guerreiro do povo brasileiro”, como de quem o xingou de “ladrão” (não vou entrar no mérito das adjetivações). Para não falar das agressões físicas. Parlamento não é estádio de futebol e cenas de pugilato não são toleráveis nem em estádio de futebol.

Dito isso, tapa na cara é universalmente ato de traição e de humilhação. Em diversas culturas, a mão espalmada para o alto, próxima a um interlocutor, é sinal de paz para mostrar que não se está armado. Estar com o rosto desprotegido diante da mão espalmada do outro é, por sua vez, sinal de confiança. Espalmar a mão para dar um tapa no rosto de alguém constitui, assim, uma traição ao simbolismo e também por pegar o agredido de surpresa. 

A humilhação é porque o rosto é a identidade mais forte de uma pessoa. Não existem dois rostos iguais. É por esse motivo que alguns povos autóctones acreditam que tirar uma foto do rosto significa roubar a alma do fotografado.

Golpear um rosto com um tapa, portanto, é violar o que um ser humano tem de único, a representação da sua essência — e a humilhação é ainda maior quando ocorre em público. Matar uma pessoa com um tiro no rosto, como fazem mafiosos, é matá-la duplamente, como se ela fosse tão desprezível a ponto de não merecer conservar a sua própria identidade depois de morta.

Duelos mortais ocorriam nos séculos XVIII e XIX por causa desse que era — e é — considerado um atentado contra a honra. Do ponto de vista cultural, histórico, moral e psicológico, não há proporcionalidade nenhuma no tapa na cara que Washington Quaquá deu em Messias Donato.

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