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Por que Lula não é um racista sexista como Bolsonaro

Porque a pauta identitária da esquerda é seletiva e Lula entorpece a imprensa preocupada com as igualdades de gênero e de cor de pele

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Ricardo Stuckert/PR
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1 de 1 lula-flavio-dino-paulo-gonet - Foto: Ricardo Stuckert/PR

Não acontecia há 17 anos, e o feito é de Lula: Cármen Lúcia voltou a ser a única mulher entre os ministros do STF, depois da escolha de Flávio Dino para a vaga de Rosa Weber, indicada por Dilma Rousseff. Ministro negro, não há nenhum, só brancos, ainda que nem todos sejam propriamente brancos. Brancos brasileiros. 

O único negro a ser nomeado para a mais alta instância do Judiciário foi Joaquim Barbosa, que resolveu se mandar já faz tempo. O mesmo Lula que o indicou — e também indicou Cármen Lúcia — ignorou desta vez critérios de gênero e cor de pele para colocar Cristiano Zanin e Flávio Dino no Supremo. Privilegiou a sua blindagem criminal e o seu interesse político.

A foto da oficialização da indicação do ministro da Justiça para o STF e de Paulo Gonet para a PGR é emblemática: só há homens brancos. Nove. Nem a onipresente Janja está presente para dar um toque feminino. Muita gente, eu inclusive, lembrou-se de quando um banco de investimentos divulgou uma foto da sua equipe, há alguns anos.

A esquerda chiou porque todos eram brancos no banco de investimentos. Foi um escarcéu nas redes sociais. Houve outros casos semelhantes, a patrulha identitária trabalhando dia e noite.

Quando Jair Bolsonaro também indicou dois brancos para o STF, exemplo especular, foi pau no Juvenal. Com Lula, porém, é diferente. A esquerda resmungou com as indicações de Cristiano Zanin e Flávio Dino, mas nada que tornasse o presidente da República um racista sexista, assim como aconteceu em relação ao seu antecessor de direita.

Resmungou-se e amaciou-se: pelo menos, Flávio Dino é nordestino, murmuraram, tentando minorar o golpe. Houve até quem tentasse enegrecer o indicado na sua branquice brasileira, como se houvesse uma câmara de compensação que intercambiasse feminismo e negritude.

Há duas constatações neste episódio: a primeira é que a pauta identitária da esquerda é arma política. Serve para ser usada contra adversários que não rezam ou fingem rezar por essa cartilha e, não menos importante, para fazer demagogia e proselitismo. Por falar nisso, procuram-se os movimentos feministas e negros, favor entregar no Palácio do Planalto.

A segunda constatação é que Lula, além de fazer gato e sapato da gauche brésilienne, exerce um estranho poder de entorpecimento sobre a imprensa sempre preocupada com as igualdades de gênero e de cor da pele (recuso-me a escrever raça, porque raça não existe).

Registra-se nos jornais a falta de mulheres e negros no STF, é incontornável, mas o barulho é baixo, os muxoxos são poucos e até inconvincentes com as escolhas do atual presidente da República. Imprensa: talvez o poder de entorpecimento de Lula não seja tão estranho, afinal de muitas contas.

Como sou imune a entorpecentes desse tipo, vou lembrar o que Lula disse há mais de 20 anos sobre a necessidade de reconhecer a igualdade de homens e mulheres, ao instalar a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial:

“Preconceito é uma coisa doentia, e eu estou aqui, de frente para vocês, e atrás de vocês há um artigo da Declaração Universal dos Direito Humanos, o artigo primeiro, que foi feito em 1948, que começa assim: ‘Todos os homens’– ou seja, não tinha mulher naquele tempo — ‘nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir, uns em relação aos outros, com espírito de fraternidade’. Não é possível que as mulheres do mundo inteiro ainda não tenham feito uma pressãozinha para a ONU mudar o artigo primeiro e dizer: ‘Todos os homens e mulheres do mundo…’.”

Na verdade, a Declaração diz que “todos os seres humanos nascem iguais e livres em dignidade e direitos”. Era para ser “todos os homens”, mas a indiana Hansa Mehta, que participou da elaboração do documento, venceu a parada e mudaram para “todos os seres humanos”, como ela queria. Não foi por favor de homem, nem por pressãozinha, mas por atitude firme de uma mulher extraordinária cuja história merece ser conhecida.

Tudo bem, é o Lula, sabe como é: ele pode ignorar, errar, derrapar, descumprir, fazer o que quiser. Até a solitária Cármen Lúcia vai perdoar.

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