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Por que Lula deve e merece ficar mais tempo na praia

Além de facilitar a tucanização do PT, convenhamos que o presidente eleito, aos 77, já não pode exibir a mesma energia de 20 anos atrás

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Ricardo Stuckert
ex-presidente Lula e a noiva Janja - Metrópoles
1 de 1 ex-presidente Lula e a noiva Janja - Metrópoles - Foto: Ricardo Stuckert

Lula foi criticado por causa dos seus dias de descanso, ao lado da amada Janja, numa praia paradisíaca da Bahia, com o perdão do pleonasmo. Não concordo com a crítica. Quanto menos Lula estiver presente em Brasília e quanto mais ele despachar por telefone, não só neste período de transição de governo, mas por todo o mandato, melhor para o país e para o próprio. Fica mais fácil tucanizar o Partido dos Trabalhadores. Lula ficaria mais protegido das pressões petistas e, no limite, poderia dizer que está longe e não sabia, fingindo alguma contrariedade com qualquer sopro de austeridade.

A tucanização do PT, com toda a aversão que se possa ter ao terminal PSDB, é uma boa notícia, como mostram as adesões de André Lara Resende e Persio Arida à equipe que cuidará de verificar o tamanho da encrenca deixada por Jair Bolsonaro na área econômica (não estou esquecendo a maldição da herança de Dilma Rousseff, certamente muito pior). Pelo que entendi, André Lara Resende, a grande cabeça do Plano Real, defende agora que o governo pode se endividar mais, sem aumentar tanto os juros e sem causar mais inflação, na linha da heterodoxa Modern Monetary Theory (Teoria Monetária Moderna). De acordo com quem a professa, a função do déficit público seria garantir o pleno emprego. Eu não saberia dizer qual seria a grande diferença dessa abordagem heterodoxa em relação ao keynesianismo clássico, mas sou ignorante em matéria de economia, só sei fazer conta de padeiro — e, no mais das vezes, banco o padeiro porque quase ninguém se preocupa em fazer isso entre os jornalistas brasileiros.

De qualquer forma, é muito mais tranquilizador ter um André Lara Resende lá no Centro Cultural Banco do Brasil, o QG da transição, do que um Aloizio Mercadante, pé de pato, mangalô, três vezes. Um heterodoxo já foi um ortodoxo; um ignorante jamais foi um sábio.

Além de ficar mais fácil tucanizar o PT com Lula meio longe, convenhamos que o presidente eleito, aos 77 anos recém-completados, já não exibe a mesma energia de 20 anos atrás, apesar da boa forma, de o poder ser o melhor afrodisíaco e de todos os esforços do seu fotógrafo oficial. Merece certo descanso e aqui não vai nenhuma ironia. A velhice vai chegando como uma hóspede que primeiro ocupa um quarto e depois lhe toma toda a casa. A minha hóspede ainda está no quarto reservado a ela, enquanto estou no meu, lendo La Vieillesse (A Velhice), da francesa Simone de Beauvoir, antes de dormir. Alguém dirá que eu deveria ler a americana Ayn Rand, a musa da direita libertária, em vez do ícone feminista (ou “feminazi”). Esse mesmo alguém observará que Simone de Beauvoir, assim como o seu parceiro Jean-Paul Sartre, aproximou-se perigosamente do esquerdismo radical. E que ambos pegavam jovens alunas de Simone de Beauvoir, que ela seduzia e, depois de satisfeita, repassava para ele.

Tudo bem, mas, assim como Lula adquiriu o direito de descansar na Bahia, gente da minha idade tem o direito de ler quem bem entende, sem ser acusado de partilhar das simpatias ideológicas, da imoralidade ou das preferências sexuais do autor (na verdade, tal direito não é como prioridade em fila de restaurante, vale também para os jovens). Feita a observação, vamos adiante. Simone de Beauvoir publicou o livro sobre a velhice quando contava 62 anos, pouco mais do que eu neste 2022. E, como eu neste momento, via com surpresa a proximidade do que aguardava a maioria dos velhos: o esquecimento social. Em 1970, data da publicação de La Vieillesse na França, ele, o esquecimento social, chegava mais cedo para quem havia ultrapassado os 60 anos, com todas as suas repercussões existenciais e econômicas.

O livro tem 802 páginas e talvez eu o termine aos 65 anos. Mas já deu separar este trigo do joio: “Nós afastamos para tão longe esse ostracismo (dos velhos)  que chegamos ao ponto de voltá-lo contra nós mesmos: nós nos recusamos a nos reconhecer no velho que seremos: ‘De todas as realidades, (a velhice) é talvez aquela da qual conservamos durante a maior parte da vida uma noção puramente abstrata’, notou justamente Proust. Todos os homens são mortais: eles pensam sobre isso. Um grande número dentre eles torna-se velho: quase nenhum enxerga esse avatar com antecedência. Nada deveria ser mais esperado, nada é mais imprevisto do que a velhice.”

Lula deve descansar em paz, mas bem vivo, e estará sempre a anos-luz de qualquer esquecimento. É um avatar privilegiado. Que a sua velhice seja boa para ele e para o país.

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