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Piano ao cair da tarde: todos nós estamos perdidos, Fernanda Torres

Sobre a resignação alegre de Fernanda Torres ao reconhecer que se abriu mão da liberdade artística, como se liberdade fosse bem não durável

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Assisti ao trecho de entrevista da atriz Fernanda Torres na TV. Ao comentar sobre Os Normais, que ela protagonizou ao lado de Luiz Fernando Guimarães, entre 2001 e 2003, ela disse que não seria mais possível que um programa como aquele fosse ao ar.

Os Normais era uma série divertidíssima e muito inteligente sobre uma casal biruta e de mentalidade aberta.  Já no seu tempo, era das poucas coisas que valiam a pena ser assistidas na TV aberta brasileira. Hoje, não temos nada parecido.

De acordo com Fernanda Torres, Os Normais expressavam uma visão da “branquitude intelectual” da Zona Sul carioca, que não tem mais lugar em um país — resumo com palavras minhas — com movimentos identitários à flor da pele e boa parte da população de confissão evangélica. 

A atriz não fez esse comentário com tristeza ou amargura. Fez com resignação alegre, oxímoro que acho que expressa bem o sentimento que ela passou ao espectador. Fernanda Torres que, 32 anos atrás, no mesmo programa, afirmou que só tinha preconceito “contra crente”, agora também diz que “jamais repetiria isso”. O motivo é que os evangélicos, apesar de tudo, teriam um papel positivo ao substituir o Estado ausente entre os brasileiros mais carentes.

”Acho que quem tá meio perdido hoje é esse branco libertário. São pessoas como eu (risos). E é também do ponto de vista intelectual. Eu olho o programa do Mano Brown (um podcast), e ele sabe exatamente o que ele quer, o que ele tá fazendo. O problema é que o intelectual branco, antes ele era o porta-voz do povo, ele era livre. E o porta-voz do povo hoje, o povo fala por si. Eles estão achados, os perdidos somos nós”, resumiu Fernanda Torres.

É inevitável concordar com ela sobre as impossibilidades concretas, mas a minha resignação é profundamente triste. No fundo, Fernanda Torres reconheceu que se abriu mão da liberdade de expressão artística, como se essa liberdade fosse bem não durável, cujo gozo é obrigatoriamente limitado pelas circunstâncias.

Foi curioso e revelador que, em certo momento, para falar de liberdade, a atriz tenha feito uma digressão a respeito do tráfico e o consumo de drogas, que teriam passado a ser mais condenáveis hoje, em um mundo violento e argentário. É como se a liberdade de expressão tivesse virado droga proibida ou a ser consumida com muita moderação nesta nossa democracia inabalada. A verdade é que todos nós estamos perdidos, Fernanda Torres, como o novo normal sem Os Normais.

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