Piano ao cair da tarde: Lula tem sempre razão
Quando os petistas subiram a hashtag “Lula tem razão”, o slogan fascista “O Duce tem sempre razão” foi lembrado. E eu me lembrei do criador
atualizado
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A militância digital petista subiu a hashtag “Lula tem razão” no X, antigo Twitter, para tentar anular a repercussão negativa da acusação desmiolada feita pelo presidente brasileiro a Israel.
Muita gente se lembrou, então, do famoso slogan fascista que sintetizava o culto à personalidade característico dos regimes totalitários: “O Duce tem sempre razão”.
Eu me lembrei de Leo Longanesi, que frequentou a minha juventude imersa na cultura italiana. Não saberia dizer se Millôr Fernandes gostaria da minha comparação, mas Longanesi foi o Millôr italiano. Tinha um talento poliédrico: era escritor, humorista, jornalista, gráfico, pintor e editor (a editora Longanesi continua a ser uma das mais importantes da Itália).
Baixinho (tinha, se tanto, 1m50), os detratores de Longanesi usavam a sua estatura para dizer que ele era o bobo da corte de Benito Mussolini. Porque o mesmo homem que catapultou a carreira de artistas e escritores que deram uma lufada de ar fresco à Itália foi amigo e colaborador do Duce.
Credita-se a Longanesi a criação do slogan “O Duce tem sempre razão”. Curto, direto, peremptório, eficiente. Mas os italianos começaram a usá-lo com o outro gume: para fazer ironia com quem demonstrava não ter razão. Ainda usam.
Longanesi, assim como Millôr, era um aforista de primeiríssima linha. Cito algumas máximas criadas por ele:
“Não entende, mas não entende com grande autoridade e competência.”
“O pior que pode acontecer a um gênio é ser compreendido.”
“Todas as revoluções começam na rua e terminam à mesa.”
“O paradoxo é luxo das pessoas de espírito, a verdade é o lugar-comum dos medíocres.”
“Somos honestos durante o tempo que basta para acusar os adversários e tomar o lugar deles.”
“É melhor assumir um subsecretário que uma responsabilidade.”
“Não são as ideias que me assustam, mas os rostos que representam essas ideias.”
“Apenas sob uma ditadura consigo crer na democracia.”
Longanesi renunciou ao fascismo e denunciou o fascismo dos antifascistas. Em 1950, ele escreveu:
“Espalham-se na Itália três tipos de medo: o de parecer fascista, o de não parecer fascista o suficiente e o de não ser completamente antifascista… Tudo o que resta, então, é aceitar, de uma vez por todas, o fascismo como uma experiência histórica a ser deixada de lado. Mas o que nos separa de muitos é a escolha do local onde colocar esta experiência: sugerimos o museu; outros, a prisão.”
Lula tem sempre razão, mas não tem um Longanesi à disposição. Nem Bolsonaro, que também tem sempre razão. Ninguém tem um Longanesi. O pior seria menos insuportável se alguém tivesse.