Os devaneios autoritários contra Allan dos Santos são inúteis
A conversa entre brasileiros e americanos sobre o caso de Allan dos Santos foi um choque de culturas, talvez até de civilizações
atualizado
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O blogueiro bolsonarista Allan dos Santos é uma figura execrável. Ele mente, difama, calunia, tem um vocabulário imundo e os seus modos causam asco. Fui alvo dele, assim como fui e voltei a ser alvo de outra gente asquerosa: os blogueiros petistas.
O ministro Alexandre de Moraes quer prender Allan dos Santos, mas ele fugiu para os Estados Unidos. Os repórteres Mariana Hollanda e Renato Machado noticiaram que, no segundo semestre do ano passado, agentes do FBI e da imigração americana vieram ao Brasil para discutir o assunto com representantes do Ministério da Justiça e da PF.
As autoridades brasileiras exibiram um vídeo, legendado em inglês, com as falas de Allan dos Santos pregando golpe. Para a irritação dos brasileiros, um dos americanos disse que não havia crime ali, só palavras.
Allan dos Santos é acusado no Brasil de crimes de opinião que os americanos julgam ser apenas o exercício da liberdade de expressão. Não será possível extraditá-lo, portanto, pela sua boca suja.
Os americanos concordaram, no entanto, em dar continuidade ao procedimento de repatriação de Allan dos Santos pelas acusações de lavagem de dinheiro e de formação de organização criminosa. Enviaram questionamentos às autoridades brasileiras, mas não obtiveram resposta. De acordo com os repórteres, o processo está parado no STF.
Enquanto isso, Allan dos Santos parece ter pedido asilo político nos Estado Unidos. A minha aposta é que conseguirá, a menos que haja provas robustas de crimes cometidos por ele que não sejam os de opinião. Pelo jeito, essas provas robustas inexistem até o momento. É caso de se perguntar se existirão algum dia.
O encontro entre as autoridades brasileiras e as americanas foi um choque de culturas, talvez até de civilizações. Do lado do Brasil, tem-se uma visão sobre liberdade de expressão que, de restritiva, passou a ser francamente autoritária; do lado dos Estados Unidos, a visão é que a liberdade de expressão deve ter garantias absolutas, seja para o bem como para o mal.
Nos Estados Unidos, cabe à sociedade depurar a boa opinião da opinião deletéria. Se a sociedade não o faz, será ela a arcar com as consequências e, quem sabe, aprender com isso. Ninguém tem o direito de tutelar a liberdade de expressão, preceito fundamental que hoje, com Donald Trump, passa por uma prova de fogo. A história de sucesso dos Estados Unidos aponta que o caminho deles é o correto, com todas as dores que implica.
Como resumiu o advogado André Marsiglia, um dos maiores especialistas em liberdade de expressão do Brasil, o episódio envolvendo Allan dos Santos mostra que os americanos têm critério.
“Para eles, historicamente, expressar-se sem uma ação é mero uso da ‘palavra’, coberto pela Primeira Emenda, pela Constituição. Como no Brasil não temos critério, deixamos aos juízes e governantes nos dizerem o que devem ser nossas liberdades. Qualquer democracia que se preze não deixa exclusivamente na mão de suas autoridades o critério para estabelecer liberdades fundamentais como a de expressão e de imprensa”, escreveu André Marsiglia no X.
Como eu disse no início, o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos é execrável, assim como os blogueiros petistas. O problema não é eles existirem, é existir gente que os ouça. Contra esse fato inescapável da realidade, os devaneios autoritários são inúteis — e perigosos, porque quem quer calar uns poucos termina querendo calar todos.