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Os cúmplices do PCC

Sergio Moro e Lincoln Gakiya entraram na mira da facção por representar a ordem. No âmbito do progresso, PCC não tem com o que se preocupar

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A entrevista mais esclarecedora que li recentemente foi a que a pesquisadora Camila Nunes Dias, doutora em sociologia pela USP, deu ao repórter Vinicius Passarelli, da sucursal paulista do Metrópoles, em 9 de março. A sua especialidade é justamente o PCC, a facção criminosa que esteve nas manchetes desta semana, por causa da operação da PF que frustrou o plano da bandidagem de matar Sergio Moro e o promotor paulista Lincoln Gakiya.

Coautora de A Guerra: a Ascensão do PCC e o Mundo do Crime no Brasil, escrito com Bruno Paes Manso, livro que entrou para a minha pilha de leituras obrigatórias, Camila Nunes Dias afirma, na entrevista, que é possível dizer que a facção criminosa vive hoje a sua fase de maior poder econômico, capacidade de influência e expansão territorial. A base do PCC continua a ser o sistema prisional de São Paulo — ouvi que ele controla atualmente 85% dos presídios paulistas —, mas os seus tentáculos já se estendem para além das fronteiras do país.

Um dado extremamente preocupante é que, incompetentes  para combater a facção criminosa (e estou sendo benigno), as sucessivas autoridades de São Paulo vêm conferindo ao PCC atribuições que são do Estado, como constata a pesquisadora. Diz ela:

“É como se o Estado terceirizasse para o PCC a regulação e o controle social em algumas áreas. Isso é muito claro nas prisões. Mas na grande parte das periferias e favelas de São Paulo também acontece. Já vi casos, por exemplo, de o PCC interferir em companheiro que agride a mulher, os filhos. Muitas vezes esse controle se espraia para questões que envolvem as relações na comunidade.”

Camila Nunes Dias completa:

“O PCC cresce fora e cresce dentro (dos presídios). E o impulso para esse crescimento vem basicamente dos mesmos fatores. Um Estado que aparece para essa população de onde vem o PCC – população pobre, negra e periférica – apenas na sua face violenta da polícia: isso é um alimento ideológico básico para o PCC. Eu diria que o massacre do Carandiru [ocorrido em 1992] foi o impulsionador básico para a criação da facção. Mas não é só o governo de São Paulo. Eu acho que é difícil encontrar algum governo que proponha algo diferente, inclusive os governos do PT. Não vejo nenhuma mudança substantiva na posição dos governos ditos de esquerda ou ditos progressistas quanto ao sistema carcerário.”

O PCC, assim como as demais organizações criminosas que floresceram no país, é fruto da ausência de Estado ou da presença de um Estado que faz do seu monopólio da violência, elemento fundador da sociedade civilizada, um instrumento de arbítrio e exploração.

Corta para a minha opinião. A receita para interromper essa tragédia é velha, mas não envelhecida como a mentalidade econômica de Lula. O primeiro ingrediente é a repressão ao crime — organizado ou desorganizado —, que tem de ser feita com mão de ferro, dentro dos limites da Constituição. A repressão está no âmbito da ordem. Mas ela precisa ser acompanhada por ações estatais efetivas, permanentes e benéficas a todos os brasileiros. Ações que se inscrevem no âmbito do progresso. É o segundo ingrediente. Ordem e progresso, portanto (o Brasil me tornou um cozinheiro positivista).

Por representarem o primeiro ponto, o da ordem, o senador Sergio Moro e o procurador Lincoln Gakiya entraram na mira do PCC. Quanto ao segundo ponto, o do progresso, a facção criminosa não tem com o que se preocupar, por contar com cúmplices nos diferentes círculos de poder e espectros ideológicos. Cúmplices involuntários, mas cúmplices mesmo assim. Estou sendo benigno outra vez. 

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