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O tormento sem fim de Daniel Cravinhos, que matou Von Richtofen

Daniel Cravinhos pergunta-se: “Como fiz algo terrível sem ter sido forçado por ninguém?” É uma pergunta dostoievskiana sem resposta

atualizado

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Daniel Cravinhos
1 de 1 Daniel Cravinhos - Foto: Reprodução TV Cultura

Daniel Cravinhos é um homem atormentado pela lembrança do assassinato que cometeu mais de vinte anos atrás. Namorado à época de Suzane Von Richtofen, ele e o irmão, Cristian, mataram a marretadas, respectivamente, o pai e a mãe da moça, Manfred e Marísia, enquanto o casal dormia. Suzane dizia que Manfred a agredia fisicamente.

Suzane tornou-se a epítome da psicopata fria e calculista. Planejou o crime juntamente com Daniel e foi quem abriu a porta da casa, durante a noite, para que os irmãos entrassem e matassem os seus pais. Psicopata que é, nunca demonstrou arrependimento.

O jornalista Ulisses Campbell entrevistou Daniel, que hoje cumpre a pena em liberdade e trabalha fazendo desenhos em capacetes e motocicletas. É uma entrevista pungente, porque o assunto é o sua angústia pessoal e intransferível, sem nenhuma derrapagem na vitimização.

“Carrego uma culpa colossal e devastadora. As pessoas não fazem ideia. Posto fotos correndo de moto e customizando veículos de corrida e capacetes. Mas isso não significa que estou bem. Os eventos passados continuam a afetar a mim e à vida das pessoas envolvidas, mesmo após muitos anos. Estou tentando viver com os meus fantasmas. Não é fácil. Nem espero que as pessoas entendam o que fiz, porque o que fiz não tem explicação, não tem perdão nem clemência”, diz Daniel.

Ele assume inteiramente o que fez, sem transferir a sua parte de responsabilidade para Suzane, como ocorreu durante o julgamento que os condenou, seguindo a estratégia traçada por sua defesa. 

“Depois de tanto tempo, não é mais possível sustentar essa ideia (de que foi manipulado). Não vou minimizar o que fiz. Muito menos serei um canalha e jogarei a culpa toda para cima dela. Nós três temos encargos iguais no crime. Essa é a verdade. A ideia foi minha e de Suzane. Não sou oportunista para, nesse estágio da vida, tirar o meu corpo fora para diminuir as minhas responsabilidades. Meu maior dilema é justamente esse: como fiz algo tão terrível sem ter sido forçado por ninguém?”, afirma o rapaz, hoje com 43 anos, que está prestes a se tornar pai.

“Como fiz algo terrível sem ter sido forçado por ninguém?”: essa é a pergunta que está na base de um dos grandes romances de todos os tempos. Estou falando de Crime e Castigo, do russo Fiódor Dostoiévski.

O jovem pobre Raskólnikov, protagonista do livro, mata a machadadas a velha agiota que o explora e, para justificar o crime, mede-se com Napoleão Bonaparte. Os homens seriam divididos entre “extraordinários” e “ordinários”. Aos primeiros, estava destinado realizar grandes coisas a qualquer custo; aos segundos, apenas resignar-se a obedecer aos códigos.

Como homem extraordinário, Napoleão foi absolvido pela história, depois de ter banhado a Europa em sangue, porque o fez em favor de grandes e boas mudanças. Da mesma forma, no seu microcosmo, se ele, Raskólnikov, matasse uma agiota perniciosa a tantas pessoas, ninguém poderia condená-lo por isso. O nosso protagonista se colocava no rol dos homens extraordinários.

A sua teoria, contundo, sucumbe ao peso do seu tormento, e o romance trata do percurso da sua expiação.

Daniel Cravinhos, homem ordinário, não criou nenhuma teoria para ter cometido algo tão terrível. O seu percurso de expiação é cotidiano e, embora o seu tormento seja sem fim e a sua pergunta, “Como fiz algo terrível sem ter sido forçado por ninguém?”, não tenha resposta, ele aponta para uma renovação gradual, assim como foi a de Raskólnikov.

“Vejo (ao espelho) o que as pessoas veem. Mas luto todos os dias para escapar dessa imagem refletida. É uma missão impossível. Eu matei uma pessoa brutalmente. Vou viver com isso até o fim dos meus dias. Tento superar o que fiz para viver o resto da minha vida em paz, mesmo que não mereça esse sossego. Apenas gostaria que as pessoas soubessem que não sou mais aquele jovem inconsequente que cometeu um crime. Hoje, sou outra pessoa. Quero seguir em frente do jeito que for possível”, diz o homem culpado para sempre, mas em busca de uma misericórdia que sabe ser impossível.

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