O STF, a torcida pelo bem e o Vampiro de Curitiba
Ao contrário do que pensa o STF, a maioria das pessoas torce contra os bandidos e Curitiba é uma cidade de muito boa fama
atualizado
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Existe o mundo imaginado pelo STF e existe o mundo real, e eles não têm vasos comunicantes, aparentemente.
No mundo imaginado pelo STF, por exemplo, a maioria das pessoas torce nos filmes pelos bandidos. Como assim? Fosse verdade, os roteiristas fariam os vilões vencerem no final, não os heróis. A afirmação feita no plenário do tribunal contraria o que ocorre no mundo real: a maioria das pessoas torce pela vitória do bem e pela derrota do mal, seja nos filmes ou no cotidiano. Aliás, é porque nós queremos que o bem prevaleça no dia a dia que torcemos pelos heróis nos filmes e que nos identificamos com eles.
É claro que há momentos de confusão. Muita gente que se apresenta como portadora do bem é, na verdade, agente do mal. Por meio de operações ideológicas habilidosamente urdidas, essa gente consegue enganar uma massa de desavisados durante certo tempo até ser desmascarada.
Nós não nascemos bons. O bem é um conjunto de valores morais e de regras de conduta surgido no longo e conturbado processo civilizatório. Civilização é, sobretudo, a repressão de instintos primitivos que inviabilizariam a vida em sociedade.
É justamente quando a maioria das pessoas dá vazão a baixos instintos, praticando o mal, fazendo vista grossa ao mal, torcendo pelo mal — torcendo pelos bandidos — que a civilização dá lugar à barbárie generalizada. Foi o que aconteceu na Alemanha nazista, onde circunstâncias históricas precisas, que estão longe de ser justificativa, permitiram que um psicopata aliciasse uma nação inteira.
A barbárie está sempre à espreita nas sociedades, e ela irrompe em bolsões nos quais a civilização se ausenta. Nos presídios brasileiros, onde vicejam organizações criminosas impiedosas, essa ausência é fato evidente e desencadeador.
Como a maioria das pessoas torce pelo bem, é inexplicável que, no mundo imaginado pelo STF, a cidade de Curitiba possa ter adquirido má fama na época da Lava Jato. É, outra vez, o contrário. A chamada República de Curitiba era a epítome do combate à corrupção graúda, à impunidade dos poderosos, ao patrimonialismo que contamina a política brasileira há séculos.
Sem nenhuma idealização, já passei da idade, Curitiba está bem acima da média brasileira em matéria de civilização. Essa média não é lá muito alta, não há como negar, mas o dado infeliz não empalidece o mérito dos curitibanos.
Na literatura, a capital paranaense é o que mais próximo temos da Dublin do escritor James Joyce, como espaço de odisseia subjetiva, graças a Dalton Trevisan, o “Vampiro de Curitiba”, que completará 100 anos em 2025, se tudo der certo.
À diferença de ministros do STF, Dalton Trevisan é um sujeito reservado, completamente avesso a entrevistas, do qual há raríssimas fotos, a maior parte roubadas por paparazzi. É um sujeito invejável também por ser dos poucos que podem dizer que se basta a si próprio, sem precisar do olhar do outro, o verdadeiro inferno (esse é o significado daquela frase de Jean-Paul Sartre,”o inferno são os outros”).
É emprestando um trecho de Dalton Trevisan, curitibano sem ilusões perdidas, visto que jamais as teve, que faço o meu desagravo a Curitiba — e ao bem pelo qual a maioria das pessoas torce contra os bandidos:
“Curitiba que não tem pinheiros, esta Curitiba eu viajo. Curitiba, onde o céu azul não é azul. Curitiba que viajo. Não a Curitiba para inglês ver, Curitiba me viaja. Curitiba cedo chegam as carrocinhas com as polacas de lenço colorido na cabeça — galiiii-nha-óóóvos — não é a protofonia do Guarani? Um aluno de avental branco discursa para a estátua do Tiradentes.”
PS: aparentemente, o episódio bananeiro no Aeroporto de Roma chegou ao fim. Ao menos a imprensa deveria pedir desculpas a Roberto Mantovani Filho e familiares.