O socialismo boia muito bem no rio Sena, mas não siga o exemplo
Gastou-se uma fortuna para tornar o Sena supostamente próprio para banhos, e a socialista entrou no rio para fazer propaganda. Não entre
atualizado
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Brasileiros estão muito impressionados porque viram a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, nadando no Sena. A minha primeira reação, como cidadão esporádico da cidade que sofre com a sua péssima administração, foi pensar que o socialismo boia perfeitamente.
A França gastou 1,4 bilhão de euros para tornar o Sena supostamente próprio para banhos e, assim, dar lugar a provas aquáticas nos Jogos Olímpicos — daí a propaganda de Anne Hidalgo. A principal obra foi construir um piscinão para receber, antes de tratamento, as águas pluviais que arrastavam toda a sujeira das ruas para o rio e que também se misturam a águas de esgoto em uma única tubulação antiga.
Para um rio urbano, que corta uma metrópoles como Paris, o Sena já era limpo. Ficou mais limpo agora, o que é ótimo, mas não é verdade que tenha se tornado um rio próprio para o cidadão nadar despreocupadamente, embora a prefeitura vá destinar trechos do Sena a piscinas públicas.
A água do rio é analisada diariamente, e só há poucos dias a quantidade de bactérias perigosas à saúde, como a Eschericia Coli, presente nas fezes humanas, entrou nos limites considerados aceitáveis. Mas isso não significa que tais limites sejam intransponíveis.
Quando chove além da conta — e tem chovido muito além da conta por causa da mudança climática —, o piscinão parisiense não é suficiente para recolher grande parte das águas pluviais e de esgoto de Paris. Como sob Anne Hidalgo a cidade está imunda, a quantidade de sujeira que vai para o Sena não é desprezível.
O nível de limpeza do rio também pode ser prejudicado mesmo quando não chove na cidade — o rio é relativamente extenso (nasce lá na Borgonha) e tem muitos afluentes. É impossível garantir a qualidade de toda essa água quando o seu volume aumenta em demasia.
Há os ratos, não esqueçamos. Ratos gostam de rios e gostam de urinar neles. Nadar no Sena é uma boa maneira de você contrair leptospirose.
Poucos anos atrás, a prefeitura de Paris decidiu que o Canal Saint-Martin era banhável. Decidiu baseado em nada. Centenas de parisienses resolveram, então, usá-lo como praia. Eu fiquei horrorizado com a capacidade de abstração dos banhistas em relação ao lixo que navegava ao redor. Mas parisienses são cegamente sequiosos por qualquer coisa que lembre sol e natureza.
O Sena não pode ser comparado ao paulista Tietê ou a qualquer outro rio urbano brasileiro, é claro. Os nossos rios são canais de esgoto in natura, uma indecência que espelha a qualidade dos nossos políticos. Mesmo assim, é impossível que um rio que atravessa uma metrópole possa ser considerado banhável, por mais limpo que ele seja.
Há uma diferença entre um rio urbano ter margens nas quais se pode caminhar, praticar esportes e fazer a melhor coisa do mundo, que é não fazer nada, e ser usado como banheira ou piscina para as pessoas suprirem a falta de praia. Porque é impossível que seja saneado o suficiente. Não é porque um rio urbano tem peixe que podemos nadar nele. À exceção de políticos, seres humanos são mais suscetíveis a certos agentes patogênicos do que outras espécies.
Para não ser um completo estraga-prazeres, termino com este verso de Apollinaire: “Sob a ponte Mirabeau corre o Sena/E os nossos amores/ É preciso ter em cena/A alegria que sucedia a pena.”
O Sena é uma beleza de ser visto, não nadado.