O silêncio de Jair Bolsonaro merece só uma traseira de caminhão
Para quem contava com tanques nas ruas, em prol de um autogolpe, sobraram apenas caminhões para bloquear estradas, além de uma facção da PRF
atualizado
Compartilhar notícia
Com o seu silêncio cúmplice da baderna promovida por caminhoneiros aloprados, Jair Bolsonaro está conseguindo desagradar até ao setor que mais o apoiou eleitoralmente — o do agronegócio, que tem a sua logística comprometida pelos bloqueios nas estradas.
Jair Bolsonaro foi derrotado, mas saiu da eleição com um imenso capital político. A sua votação, mais de 58 milhões de votos, deixou-o apenas a 2 milhões de eleitores de Lula. O atual inquilino do Planalto não deixou de ser eleito por causa de fraudes em urnas eletrônicas ou porque o STF determinou o transporte gratuito de eleitores, o que contribuiu para diminuir a taxa de abstenção com a qual os bolsonaristas contavam para vencer o adversário. Também não foi a censura execrável contra a Jovem Pan e a Gazeta do Povo que foi determinante para a derrota. Como eu disse ontem, Jair Bolsonaro perdeu para ele próprio e os lunáticos que o idolatram. A hagiologia de Lula, que o coloca como articulador de uma frente política espetacular, falseia a realidade de um candidato que jogou praticamente parado — e quase perdeu a eleição.
Para quem contava com tanques nas ruas, em prol de um autogolpe, sobraram apenas caminhões para bloquear estradas, além de uma facção da Polícia Rodoviária Federal que age como comparsa dos baderneiros, seja por omissão ou mesmo por incentivo a que as estradas permaneçam bloqueadas. Inferniza-se, desse modo, não apenas o setor produtivo, como o cotidiano de milhares de cidadãos, muitos dos quais simpatizantes de Jair Bolsonaro. Fazer arruaça, como se sabe, é uma forma inteligente de agradar a eleitores conservadores.
Temia-se que as Forças Armadas e as polícias militares serviriam como instrumento para o golpismo de Jair Bolsonaro. Ele só pôde contar melancolicamente com aquele pessoal que desonra a Polícia Rodoviária Federal, em troca de um cafezinho para liberar motoristas que cometem infrações. A corporação é dirigida por Silvinei Vasques, que entrou na mira do STF e já foi acusado, antes de ser alçado ao posto por Flávio Bolsonaro, de pedir propina e ameaçar de morte quem se negou a fazê-lo, como mostrou a revista Piauí. Ele também espancou um frentista de um posto de gasolina e respondeu a oito sindicâncias internas. Os pormenores dessa vida de lutas gloriosas foram colocados sob sigilo de cem anos pelo governo de Jair Bolsonaro, depois que o Metrópoles pediu acesso à ficha de Silvinei Vasques, com base na Lei de Acesso à Informação.
O silêncio do atual presidente ultrapassou o plano teatral e virou poesia ruim. Merece só uma traseira de caminhão.