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O que esperar das eleições na França: paralisia, governo técnico, caos

O 1º turno das eleições legislativas na França aponta para uma afluência recorde. O partido de Marine Le Pen pode ter maioria absoluta

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1 de 1 Imagem colorida de Jordan Bardella - Metrópoles - Foto: Getty Images

Neste momento, a afluência de eleitores no primeiro turno das eleições legislativas antecipadas na França, onde o voto não é obrigatório, aponta para um recorde. A maioria deles está disposta a varrer da Assembleia Nacional o partido do presidente Emmanuel Macron — e, quem sabe, despachar o próprio para casa antes de 2027. O segundo turno acontece daqui a uma semana, em 7 de julho.

A última sondagem divulgada a dois dias da votação pelo jornal Le Figaro indica que o Rassemblement National, partido de Marine Le Pen e Jordan Bardella, e os seus aliados arrebanhados na centro direita farão entre 220 e 265 votos, o que é o triplo da bancada anterior. O Nouveau Front Populaire, que reúne La France Insoumise, de Jean-Luc Mélenchon e socialistas, terá de 170 a 200 cadeiras. Já o Renaissance de Emmanuel Macron ficará com de 70 a 100 cadeiras na Assembleia Nacional. Os gaullistas que não se aliaram ao Rassemblement National não ultrapassarão 60 cadeiras, mostra a sondagem.

Os números reproduzem os resultados das eleições europeias das quais os franceses se serviram para repudiar Emmanuel Macron, apontado como o principal responsável pela queda no poder aquisitivo, pela insegurança pública e pelo laxismo quanto à imigração ilegal. 

Como desde que o presidente assumiu o poder, já no longínquo 2017, o seu partido canibalizou a centro direita e a centro esquerda, dizimando-as eleitoralmente, só restou aos franceses protestar votando nos respectivos extremos — e à boa parte dos políticos centristas de ambos os lados, das agremiações devoradas pelo Renaissance, firmar alianças eleitorais com eles.

O Rassemblement National e os seus aliados estão, de acordo com as sondagens, muito próximos de obter a maioria absoluta na Assembleia Nacional. A câmara dos deputados da França conta com 577 cadeiras. Ou seja, o partido que obtiver 289 delas fará o primeiro-ministro e conseguirá governar o país sem precisar fazer coalizões com adversários.

Até a dissolvição, o partido de Emmanuel Macron tinha a maioria relativa na Assembleia: contava com 270 cadeiras. Ou seja, se as sondagens estiverem certas, o Renaissance encolherá quase dois terços, no mínimo. Por contar com uma maioria relativa, o presidente francês vinha recorrendo a expedientes excepcionais inscritos na Constituição, mas muito polêmicos, para governar.

Se as eleições antecipadas resultarem em um Rassemblement National com maioria relativa, prevê-se que a França poderá ser tomada por uma paralisia política ainda pior, já que as outras agremiações demonizam como a Besta do Apocalipse o que consideram ser uma extrema direita que ainda ecoa racismo e xenofobia. Na hipótese improvável de a aliança capitaneada pela extrema esquerda do Nouveau Front Populaire vencer, a dificuldade igualmente estará a milhões de anos-luz de ser pequena.

Nos vintes dias que se seguiram à dissolvição da Assembleia, ocorreu um terremoto político. Emmanuel Macron acreditava que, dado o recado nas eleições europeias, a maioria dos franceses teria outro comportamento internamente e lhe daria uma segunda chance para evitar os extremos.

A realidade mostrou, porém, que o presidente francês tinha dentro de casa uma mulher traída furiosa, daquelas que jogam as roupas do sujeito pela janela depois de ter procurado advogado e trocado a fechadura da porta de casa. 

Os eleitores da França querem, como já dito, é se livrar de Emmanuel Macron e ter qualquer outra agremiacjao que não a dele no poder. Para além de um quadro partidário restrito, a opção seja pela alternativa da extrema-direita como a pela da extrema-esquerda comporta um altíssimo grau de irracionalidade, mas só os idiotas acreditam que é a racionalidade que dita a escolha dos eleitores.

Do lado da extrema direita, há os ecos de um passado racista e xenófobo, a falta de experiência administrativa e promessas irrealizáveis que custariam 100 bilhões de euros. Do lado da extrema esquerda, tem-se o stalinismo que lhe é intrínseco, a falta de experiência administrativa e promessas irrealizáveis que custariam quase 300 bilhões de euros.

A extrema direita conta com um novo rosto, o de Jordan Bardella, um jovem de 28 anos que adquiriu popularidade por meio do TikTok, atraiu muitos jovens para o seu campo e ajudou a mudar junto a esse público a péssima imagem do Rassemblement National — daí também a grande vantagem do partido nas pesquisas. Ele realizou a façanha de jogar para o terceiro plano o financiamento do ditador russo Vladimir Putin a Marine Le Pen. 

A extrema-esquerda tem o velho rosto de Jean-Luc Mélenchon, um “stalinista de face humana” que mal dissimula o seu antissemitismo (considera “residual” na França), não vê nada demais quando os seus partidários gritam que “um policial morto é menos um voto para o Rassemblement National” e conta com o velho ressentimento dos franceses contra os ricos para se alavancar eleitoralmente.

Ambos os populismos tentaram edulcorar-se durante a campanha relâmpago. A extrema esquerda cooptou, assim, os socialistas, em uma união que já nasceu cheia de rachaduras. A extrema direita, por sua vez, não obteve o apoio da totalidade da centro direita gaullista e não se sabe se a terá no caso de obter uma maioria relativa. Para o segundo turno, já se fala em uma “frente republicana” contra o partido de Marine Le Pen e Jordan Bardella.

No caso de o Rassemblement National fizer o primeiro-ministro, muito possivelmente Jordan Bardella, a esperança é que o partido passe por uma “melonização” — que reproduza o que ocorreu na Itália, com a agremiação da primeira-ministra Giorgia Meloni, a Fratelli d’Italia, que renegou o seu passado neofascista e adquiriu feições de um partido conservador clássico. Há quem ache impossível. De qualquer forma, em um primeiro momento esperemos curto, a extrema esquerda transformará a vida na França em um caos. Naquela sua posição clássica como a barba de Marx de que democracia é só quando ela vence, os extremistas de esquerda já dizem que não aceitarão a vitória do Rassemblement National.

Caso nenhum partido consiga maioria absoluta e a França entre em um impasse governamental, a Itália também é citada como eventual exemplo de uma saída. Antes de Giorgia Meloni, o país teve “governos técnicos”, chefiados por não-políticos, como o do ex-presidente do Banco Central Europeu Mario Draghi.

Na França, porém, o contexto é bem diferente. O sistema é o do semipresidencialismo. O presidente não é um chefe de Estado quase decorativo, como na Itália. É também chefe de governo, dividindo essa função com o primeiro-ministro. Quando são do mesmo partido, o presidente é o praticamente patrão do primeiro-ministro; quando são de partidos diferentes, eles têm de coabitar. Um governo técnico será visto como uma continuidade dissimulada do governo Macron.

A coabitação já ocorreu três vezes na França. Na primeira, o presidente socialista François Mitterrand teve de coabitar com o primeiro-ministro gaullista Jacques Chirac e, na segunda, com o primeiro-gaullista Édouard Balladur. Na terceira, o presidente Jacques Chirac teve de coabitar com o socialista Lionel Jospin.

Todas essas coabitações foram de veludo se comparadas com as que Emmanuel Macron terá de enfrentar, na confirmação da sua derrota. Culpa dele, que não ouviu ninguém para antecipar as eleições legislativas e se comportou como um Júpiter. A sua última esperança é que a afluência recorde seja a de eleitores assustados com os extremos, que saíram de casa para votar a favor de que tudo volte a ser como sempre foi com o macronismo, ainda que não no melhor dos mundos possíveis.

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