O pedido pessoal sem pedido pessoal de Lula a Paulo Gonet
Na posse de Paulo Gonet, o que Lula pediu é que não haja mais uma operação para pegar corruptos poderosos, como a que o investigou e prendeu
atualizado
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Paulo Gonet disse na sua posse como PGR que “no nosso agir técnico, não buscamos palco nem holofotes, mas com destemor havemos de ser fiéis e completos no que nos delegaram (ao Ministério Público) os constituintes”.
Ele também afirmou que a instituição é “corresponsável pela preservação da democracia” e que “a harmonia entre os Poderes, fundada no respeito devido por cada um deles às altas missões próprias e dos outros, é pressuposto para o funcionamento proveitoso e resoluto do próprio Estado Democrático de Direito. A isso, o Ministério Público deve ater-se e é isso que lhe incumbe propiciar.”
Muito bem, parabéns. Fora do palco e dos holofotes, só falta combinar que haverá harmonia entre os poderes com quem sistematicamente vem usurpando atribuições que lhe não foram dadas pela Constituição.
Lula, por seu turno, disse que nunca pediria ao PGR um favor pessoal para que alguma coisa não fosse investigada, mas antes pediu um favor pessoal para que alguma coisa não fosse investigada:
“Hoje, então, eu só queria pedir uma coisa: o Ministério Público é uma instituição tão grande que nenhum procurador pode brincar com ela. Você (Paulo Gonet) só tenha uma preocupação: fazer com que a verdade, e somente a verdade, prevaleça acima de qualquer outro interesse.”
O presidente da República continuou a explicitar o que lhe estava doendo no peito:
“As acusações levianas não fortalecem a democracia, não fortalecem as instituições, muitas vezes se destrói a vida de uma pessoa sem dar a ela a chance de se defender. É importante que o MP recupere aquilo que foi razão pela qual os constituintes enaltecerem o MP: garantir a liberdade, a democracia, a verdade, não permitir que nenhuma denúncia seja publicada sem saber se é verdade, porque senão as pessoas serão condenadas previamente e não terão sequer condição de ser absolvidas. Eu prezo muito por isso.”
Ele, então, arrematou o seu pedido pessoal negando que haverá pedido pessoal:
“Não existe possibilidade de o MP achar que todo político é corrupto. Se a gente quiser evitar aventuras nesse país como a que aconteceu no dia 8 de janeiro, se a gente quiser consagrar o regime democrático, o MP precisa jogar o jogo de verdade. Da minha parte, eu quero te dizer publicamente, nunca te pedirei um favor pessoal, nunca exercerei qualquer pressão pessoal para que qualquer coisa seja investigada, a única coisa que eu te peço é que não faça o MP se diminuir diante da expectativa de 200 milhões de pessoas.”
O pedido foi pessoal porque é inequívoco que, na sua fala, Lula atacou a Lava Jato, que o investigou, denunciou e prendeu, com provas. Ele também aproveitou a oportunidade para fustigar o ex-PGR Rodrigo Janot, que comandou a operação e estava sentado à sua frente. O subtexto nem é tão sub: Paulo Gonet, cuide para que nunca mais tenhamos no Brasil uma operação nem sequer parecida com a Lava Jato. O presidente da República jogou, assim, a impessoalidade do cargo no lixo destinado às imposições institucionais. Lixo, não, aterro sanitário, dado o volume de composturas, decoros e demais comportamentos condizentes com a posição descartados semanalmente em Brasília, como se fossem dejetos.
Lula nem precisava fazer o pedido: com Paulo Gonet ou sem Paulo Gonet, os escândalos de corrupção protagonizados por gente realmente poderosa jamais serão denunciados novamente no Brasil. A demoliçã0 executada pelos algozes da Lava Jato — entre eles, o espetacular Augusto Aras — foi completa e agora está na fase da vendeta pura e simples. De vez em quando, será permitido ao Ministério Público pegar um bagre de tamanho mediano para mostrar que as instituições, afinal de contas, estão funcionando. Ou pegar um bagre maior desde que politicamente incômodo a tubarões.
Até prova em contrário, e espero como sempre estar geometricamente enganado, não existe possibilidade de o MP voltar a achar que todo corrupto seja corrupto, só alguns. Apaguem os holofotes.