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O ocaso de Joe Biden ou de como filosofar é aprender a morrer

O declínio físico de Joe Biden é um espetáculo triste de ser assistido, mas o aspecto mais doloroso é o que está por trás da sua teimosia

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1 de 1 Imagem colorida mostra o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden - Metrópoles - Foto: Justin Sullivan/Getty Images

Ao assistir à entrevista coletiva de Joe Biden, ontem à noite, não vi apenas um senhor caquético, mas um homem que se apega à vida, como se a vida fosse apenas o palco que ele conquistou. Como se, ao abandonar a cena, ele antecipasse a morte.

Depois dos 60 anos, olhei para trás e constatei que havia perdido muitas coisas que acreditava duradouras: poder, empresa, amores, parte da minha saúde. Mas, para a minha surpresa, não me abati além do tempo necessário para digerir tais perdas. Para outra supresa minha, percebi que, entre tantos desvios que tomei, entre tantas ilusões que cultivei, entre tantos males que me afligiram e que causei, eu havia aprendido a morrer.

Filosofar é aprender a morrer, disse o romano Cícero, ecoado pelo meu amigo Michel de Montaigne no ensaio que leva a máxima no título. “É especialmente porque o estudo e a contemplação de alguma forma retiram a nossa alma do corpo e, ao ocupá-la fora do corpo, isso é aprendizado e semelhança com a morte; toda sabedoria e discurso do mundo finalmente confluem para esse ponto de nos ensinar a não temer a morte”, escreveu Montaigne. 

Uma das passagens mais bonitas do seu ensaio é quando ele diz para o nosso apaziguamento: “E se você viveu um dia, você viu tudo. Um dia é igual a todos os dias. Não há outra luz, nem outra noite. Este sol, esta lua, estas estrelas, esta disposição, são os mesmos que os seus ancestrais aproveitaram e que manterão os seus netos.”

Aprender a morrer é não temer o momento da morte derradeira depois de aceitar as sucessivas mortes pelas quais você passa durante a vida. É aprender a sair de cena, sem que isso represente a própria morte existencial. Pode-se existir a partir de outra posição que não a de que gozávamos anteriormente.

É um aprendizado difícil. Ao logo da vida, eu me deparei com muita gente que não queria sair do palco — recusava-se não por soberba, mas simplesmente porque não sabia como fazê-lo. E, ao ser obrigada a sair, fenecia.

A velhice costuma marcar esse momento de inflexão para a maioria das pessoas. O que é a velhice, contudo? Do ponto de vista estritamente médico, é a perda de funcionalidades. Um senhor de 85 anos é avançado na idade, mas pode não ser um velho na mente ou mesmo no corpo, ainda que já não exiba vigor idêntico de alguém de 40 anos.

O progresso médico, a melhor nutrição, os cuidados incorporados ao estilo de vida, têm adiado a perda de funcionalidades e, portanto, a velhice. Ao mesmo tempo, porém, essa busca pela eterna juventude estigmatiza a idade cronológica.

Há mais de 50 anos, uma compatriota de Montaigne, Simone de Beauvoir, publicou um longo livro intitulado A Velhice. Ela havia chegado aos 62 anos, a mesma idade que tenho agora, e começou a sentir na pele o que era ser tratada como velha. Decidiu, então, examinar o assunto em profundidade.

“Quando dizia que estava trabalhando em um ensaio sobre a velhice, era comum que exclamassem: ‘Que ideia! Mas você não é velha! Que tema triste…’ Eis justamente porque escrevi este livro: para quebrar a conspiração do silêncio. Em relação às pessoas de idade, a sociedade não é somente culpada, mas criminosa. Abrigada atrás dos mitos da expansão e da abundância, ela trata os velhotes como párias.”

Não é propriamente a velhice cronológica que torna Joe Biden inepto para tentar a reeleição à Casa Branca. É sua perda de funcionalidades expressa pelo andar claudicante, o olhar perdido, as longas pausas, os esquecimentos constantes. Ele poderia tê-las perdido aos 70 anos ou mesmo aos 60 anos, se alguma degenerescência mental o tivesse colhido precocemente. 

O ocaso físico de Joe Biden é um espetáculo triste de ser assistido, mas o aspecto mais doloroso, para mim, é ver que Joe Biden não aprendeu a morrer, assim como tantos outros que estão perto de mim, de nós. É um homem com medo.

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