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O novo inquérito e a morte de K., morto “como um cão”

Temos outro inquérito aberto por Alexandre de Moraes, agora para investigar as mensagens vazadas da Stasi bananeira do TSE

atualizado

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Estátua da Justiça em frente ao prédio do STF, em imagem noturna -- Mertrópoles
1 de 1 Estátua da Justiça em frente ao prédio do STF, em imagem noturna -- Mertrópoles - Foto: <p>Igo Estrela/Metrópoles<br /> @igoestrela</p><div class="m-banner-wrap m-banner-rectangle m-publicity-content-middle"><div id="div-gpt-ad-geral-quadrado-1"></div></div> </p>

O ministro Alexandre de Moraes decidiu abrir um inquérito em sigilo para investigar o vazamento das mensagens entre um perito do TSE e juízes que servem no seu gabinete no STF. As mensagens foram publicadas pelos jornalistas Fabio Serapião e Glenn Greenwald, aquele.

Alexandre de Moraes quer saber se houve violação de segredo funcional, quem vazou, vazou por quê. Talvez ele seja a vítima que irá investigar e julgar, em prática reiterada. De qualquer forma, segundo o jornalista Fausto Macedo, o ministro consultou seus pares, que aprovaram a ideia, como era de esperar.

Quando as mensagens vieram à tona, mostrando que a tal Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE era uma espécie de Stasi bananeira a serviço pessoal do ministro, Alexandre de Moraes disse que não tinha nada a esconder.

Por não ter nada a esconder, é ainda mais incompreensível que o novo inquérito tenha sido aberto em sigilo. A especialidade do ministro não deveria se incorporar como hábito à democracia brasileira, com o perdão da minha modesta opinião. Felizmente, Alexandre de Moraes resolveu levantar o sigilo, depois de a Folha revelar a existência do inquérito. Infelizmente, já está botando para quebrar, como se um crime grave tivesse sido cometido contra a República, mas da parte de quem vazou.

Quando fui parar na PF por ter publicado notícia verdadeira, a mando de Alexandre de Moraes, eu disse diante do delegado que me sentia como Josef K., protagonista do romance de Franz Kafka, O Processo, que foi incriminado sem que ele próprio e ninguém nunca soubessem o motivo (daí surgiu a expressão “processo kafkiano”).

Para levar comigo algo de bom do episódio, comprei em seguida as obras completas de Franz Kafka na edição em dois volumes que haviam passado a integrar esse tesouro da civilização que é a Bibliotèque de La Pléiade, da editora francesa Gallimard. No volume dedicado aos romances do escritor tcheco, lá está O Processo em tradução impecável. Com outros olhos, olhos tão mais fracos quanto mais acostumados a ver de tudo, eu o reli em linhas melhores.

Josef K. é executado na véspera do seu trigésimo-primeiro aniversário por dois senhores muito distintos e educados, que vestem sobrecasacas e “cartolas aparentemente desenroscáveis”. Ambos batem à sua porta à noite e o conduzem a um lugar ermo. Na verdade, para acentuar o absurdo da situação, é o próprio condenado que os conduz.

Enquanto segue o derradeiro caminho, K. se diz que deve manter a tranquilidade, porque tinha de mostrar que havia aprendido algo com aquele processo. Que ele não deveria morrer deixando a lembrança de um indivíduo relutante à racionalidade. Ou seja, K. não queria que dissessem que ele, que desejava, no início, que o processo terminasse logo, morreu querendo que o processo recomeçasse justamente quando havia chegado ao seu final.

No entanto, a lógica (dentro da ilógica) não resiste a um homem que quer viver, como escreve Kafka. Reproduzo o último parágrafo do romance:

“Onde estava o juiz que ele nunca viu? Onde estava o tribunal supremo diante do qual ele jamais esteve? Ele eleva as mãos abrindo todos os dedos. Mas as mãos de um dos senhores agarrariam a garganta de K., enquanto o outro lhe cravava a faca no coração e a girava duas vezes. Com os olhos que se apagavam, K. ainda viu, perto de si, os dois senhores, rostos colados, observando a decisão. ‘Como um cão’, diz ele, como se fosse a vergonha a lhe sobreviver.”

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