O Messias da esquerda e o Messias da direita
Depois de se autodeclarar uma ideia, o presidente deu um passo além e, agora, acredita encarnar o povo brasileiro. É o Messias da esquerda
atualizado
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Antes de ser preso, em 2018, Lula disse que não era um ser humano, mas uma ideia, e que não adiantava tentar acabar com uma ideia. Na semana passada, em um discurso para a sua claque de Diadema, o presidente da República mais uma vez transcendeu a sua própria pessoa. É um Messias.
“Quando eu estiver fazendo uma coisa errada, ao invés de vocês falarem ‘o Lula está errando’, vocês têm que falar ‘eu tô errando’, porque o Lula é o povo na Presidência”, disse ele.
Não foi a totalidade do povo que elegeu Lula, mas pouco mais de 50% dos eleitores que votaram para presidente em 2022. Ou seja, no mínimo, a outra metade que não votou nele poderia criticá-lo sem ter de fazer mea-culpa.
Mesmo os eleitores de Lula, contudo, gozam do direito de desaprová-lo, sem ter de se atribuir responsabilidades pelo que ele faz ou deixa de fazer. Votar em um político não significa ter de assumir os seus erros e silenciar sobre as suas decisões e condutas. Eleitores gozam do direito de errar e de se arrepender, e os pecados nunca são de quem votou, mas de quem foi votado.
O ponto central da fala de Lula é que ele não se considera um político. Depois de se autodeclarar uma ideia, Lula deu um passo além e, agora, acredita encarnar o povo brasileiro. Quem o critica, portanto, está acusando ou traindo a nação. A única crítica possível é a nossa própria expiação, porque somos nós que o habitamos.
No passado, reis e ditadores atribuíam-se um caráter divino para legitimar e manter o seu poder temporal e a forma como eles o exerciam.
Com a substituição da religião pelo laicismo, líderes autoritários passaram a se apresentar como personificações nacionais e ideológicas a ser cultuadas na sua sacralidade terrena. O messianismo apenas mudou de registro. Lula é Messias da esquerda brasileira, enquanto Jair Bolsonaro é o da direita.
Não há nada de original na fala de Lula. Não há nela também nada de revelador, convenhamos.