O Brasil recivilizado e a omissão de Lula sobre a Venezuela
Como presidente do STF, o ministro Barroso quer deixar um legado de recivilização ao Brasil. Não para recivilizar o que nunca foi civilizado
atualizado
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Como presidente do STF, o ministro Luís Roberto Barroso quer deixar um legado de recivilização ao Brasil. De “total recivilização“, para ser exato. Foi que ele disse em uma entrevista. Alguns acharam pretensioso. Achei apenas curioso. Não sou muito mais novo do que o ministro e não me resulta que o país tivesse sido civilizado até pouco antes de eu nascer. Desde que vim ao mundo, a barbárie continua a imperar nestas latitudes.
A cada ano que passa, o que vejo é Euclides de Cunha perdendo o ímpeto. No seu Os Sertões velho de guerra, ele disse que estávamos condenados à civilização. Que ou progredíamos ou desaparecíamos.
Acho que já desaparecemos, se é que algum um dia demos as caras. Tirando a exportação de algumas commodities, a importância do Brasil para o mundo é nenhuma, por mais que tentem nos fazer crer o contrário. Se os brasileiros sumissem amanhã, o planeta ganharia de volta a Amazônia. O reflorestamento seria uma boa troca pela recivilização do que nunca foi civilizado.
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Só mudo de assunto na aparência dos asteriscos acima.
Lula foi criticado por não ter abordado, no seu discurso na ONU, a fraude eleitoral gigantesca perpetrada pelo ditador Nicolás Maduro na Venezuela. A omissão contrastou, segundo os seus críticos, com a defesa que o presidente brasileiro fez da democracia (preciso fazer isso urgentemente, antes que eu volte a cair na censura recivilizatória).
Irritado com as comentários negativos, Lula respondeu:
“Por que eu tenho que falar da Venezuela em todo o lugar? Eu não falo nem da Janja em todo lugar. Por que eu vou falar da Venezuela? Eu falo o que me interessa falar. O discurso que eu queria fazer (na ONU) era aquele. E foi muito bom discurso.”
Não entendo também por que Lula deva ser criticado. Ele é amigo de Nicolás Maduro, ele contribuiu para a instauração de um regime autoritário no país vizinho. Ele decidiu ser cúmplice na fraude ao igualar a oposição venezuelana ao seu algoz. Para ele, Nicolás Maduro nem é ditador, só está à frente de um governo desagradável.
Por que exigir do presidente brasileiro uma posição contra esse passado de lutas no púlpito da ONU? Já não basta Lula ter engolido em seco para defender a democracia no Brasil?
Leio o noticiário, ouço em privado o que não pode ser dito em público e constato que Euclides da Cunha era só um otimista: não estamos condenados à civilização e o “jagunço destemoroso, o tabaréu ingênuo e o caipira simplório” estão longe de ser “tipos relegados às tradições evanescentes ou extintas”.