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O Brasil nunca deixou de ser o país do “sabe com quem está falando?”

O Brasil nunca deixou de ser o país do “sabe com que você está falando?” para ser o país do “quem você pensa que você é?”

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Jean-Paul Sartre, em visita ao Brasil -- Metrópoles
1 de 1 Jean-Paul Sartre, em visita ao Brasil -- Metrópoles - Foto: Reprodução

O Brasil nunca deixou de ser o país do “sabe com que você está falando?” para ser o país do “quem você pensa que você é?”.

Entre um tipo de país e outro, há um mar civilizatório a ser atravessado. Atravessaremos? Creio que não. Em alguns momentos, apenas temos a ilusão de que fizemos a travessia. Os donos do poder e os seus acólitos, tão vorazes quanto autoritários, pairam sobre a massa cevada no embrutecimento geral que os gerou para suceder os que também por ela foram gerados. O nosso sistema sociopolítico deletério retroalimenta-se tão perfeitamente, sem perda de energia, que se comporta como uma máquina de moto-contínuo, essa impossibilidade da Física.

A constatação de tal miséria nacional é diária, como demonstra mais um capítulo do processo bananeiro sobre a suposta agressão ao ministro do STF e ao seu filho no aeroporto de Roma.

Os advogados de defesa da família Mantovani, acusada pela PF, finalmente tiveram acesso às imagens das câmeras de vigilância fornecidas pelas autoridades italianas a suas congêneres brasileiras. Um perito experiente as examinou a pedido dos advogados e concluiu que foi o filho do ministro que agrediu o empresário Roberto Mantovani com um tapa na nuca, não o contrário, como afirmam os acusadores. O perito também afirmou que um fragmento relevante do vídeo foi suprimido.

Sabe com quem você está falando?

O adestramento para o autoritarismo foi tema de um dos contos do escritor e filósofo francês Jean-Paul Sartre. Ideologicamente, ele era um desastre; literariamente, um mestre.

O conto de Sartre intitula-se A infância de um chefe e integra a coletânea O Muro. O protagonista é Lucien, filho de um empresário e político. Desde criança, ele é tratado como se fosse um senhor a quem todos devem vassalagem — e, naturalmente, cresce acreditando-se como tal.

Lucien só respeita quem é da sua casta. A condescendência é o máximo que consegue ter por quem lhe é subordinado, em subordinação que os filhos herdam dos pais, assim como ele herdou do seu pai a chefia da empresa. As mulheres são apenas objetos de prazer; os judeus, seres dos quais Lucien sente horror.

Ele aprende, por fim, que ninguém precisava respeitá-lo. As pessoas só precisavam temê-lo. Lucien identifica qual foi o momento em que se tornou chefe: após um pedido de desculpas de um amigo que andava com um judeu a quem ele recusou um cumprimento. “Meus pais acham que você teve razão, que você não podia agir de outro modo, já que tem uma convicção”, disse o amigo. 

Reconhecerem que ele tinha uma convicção, não importa qual fosse,  era o que faltava para a sua transmutação.

“Um relógio bateu meio-dia. Lucien levantou-se. A metamorfose estava consumada: naquele café, uma hora antes, havia entrado um adolescente gracioso e indeciso; agora, quem de lá saía era um homem, um chefe entre os franceses. Lucien deu alguns passos na gloriosa luz de uma manhã da França. Na esquina da rue das Écoles e do boulevard Saint-Michel, aproximou-se de uma papelaria e olhou-se na vitrine. O vidro lhe devolveu uma bela figurinha enfezada que não era ainda bastante terrível: ‘Vou deixar crescer o bigode’, decidiu.”

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