O bloqueio do Twitter e a desobediência civil do vice-governador
A desobediência civil do vice-governador que continua no Twitter é ato antigo, que encontrou a sua formulação no escritor Henry Thoreau
atualizado
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Li nos jornais que o vice-governador de Minas Gerais, Mateus Simões, resolveu desafiar a ordem judicial de Alexandre de Moraes e continuar usando o Twitter.
“VPN funcionando. Nunca me imaginei praticando e propagando desobediência civil, mas censura não pode ser admitida, jamais”, escreveu o vice-governador no seu perfil na rede social de Elon Musk, em publicação compartilhada no Instagram.
Ouço dizer que muita gente decidiu fazer o mesmo e correr o risco de pagar a multa de 50 mil reais por dia imposta pelo ministro, assim como fez Mateus Simões.
A desobediência civil é um ato de resistência tão antigo quanto o Estado contra o qual ela se volta. Mas teve a sua formulação desenvolvida no século XIX, em 1849, para ser exato, pela pena do escritor americano Henry Thoreau, autor de um ensaio que tem justamente este título: Desobediência Civil.
Horrorizado com a invasão do México pelos Estados Unidos e com o regime escravocrata em vigor no país, que anteviu expandido com a incorporação dos territórios mexicanos, Henry Thoreau resolveu parar de pagar impostos e, assim, deixar de financiar como indivíduo o que considerava ser (e era mesmo) uma ignomínia.
Preso, ele decidiu explicar os seus motivos no ensaio. Em Desobediência Civil, Henry Thoreau prega abertamente a violação de leis injustas que atentem contra a liberdade e a dignidade humanas. Violação não violenta, deixe-se claro, de forma semelhante à sugerida pela francês Étienne de La Boétie, no século XVI, quando ele diz que a melhor forma de derrubar um tirano absolutista era deixar de obedecer às suas ordens.
Para o americano desobediente ou “insubmisso”, como classificariam na PGR, arcar com as consequências funestas desse enfrentamento só engrandecia o indivíduo e a sua luta. “Sob um governo que aprisiona qualquer pessoa injustamente, o verdadeiro lugar para um homem justo é a prisão”, escreveu ele.
Henry Thoreau, que se isolaria no mato para viver uma existência autossuficiente, em experimento que resultaria no clássico Walden ou A Vida nos Bosques, é tido como precursor do movimento libertário. Com Desobediência Civil, ele influenciaria o escritor russo Tolstói, anarquista espiritual, o indiano Mahatma Gandhi, líder da independência do seu país do domínio britânico — e o movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos, na década de 1960, como não poderia deixar de ser.
Não sei se o vice-governador de Minas Gerais leu Henry Thoreau, visto que o conceito desenvolvido pelo escritor americano tem história própria que o antecede. Se não o fez, aconselho a Mateus Simões a leitura de Desobediência Civil, espero que não na cadeia. É instrutivo e prazeroso. Se os ministros do STF tiverem tempo, eles também poderiam dar uma olhada. Vai que entendem que a punição coletiva a 20 milhões de cidadãos que nada fizeram, além de exercer a sua liberdade constitucional, é uma injustiça contra a qual os punidos se sentem no direito de rebelar-se?
PS: saio de férias por duas semanas. Vou ali tentar entrar no Twitter sem cometer crime de lesa-majestade e já volto.