Ninguém de quem você não gosta é Hitler
Veja a série Hitler e os Nazistas, baseada em um livro monumental que torna ainda mais cretino quem usa o nazismo para fazer comparações
atualizado
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Neste momento em que impera a Lei de Godwin, segundo a qual “todo mundo de que não gosto é Hitler” e “Holocausto é o que digo que é Holocausto”, seria recomendável ler os melhores livros já escritos sobre o nazismo.
Um deles é essencial: A Ascensão e Queda do Terceiro Reich, do jornalista e historiador americano William L. Shirer. Foi lançado originalmente em 1960 e, na minha edição americana, tem 1.249 páginas, contando com as de notas. É monumental em todos os sentidos.
Devorei o livro em um desses intervalos que a vida nos proporciona. Foi quando me colocaram na geladeira durante alguns meses por causa do PT. O PT tem o hábito democrático de pedir cabeça de jornalistas, mas eu não vou dizer que o PT é Hitler. Eu até agradeço ao PT pelo tempo livre de leitura.
Como quase ninguém vai seguir a recomendação de ler o cartapácio, aconselho que se assista à série documental que vai estrear no dia 5 de junho, na Netflix.
A série se chama Hitler e os Nazistas: O Mal em Julgamento, tem seis episódios e foi baseada no livro. O diretor Joe Berlinger usou uma ferramenta de Inteligência Artificial para que o narrador fosse o próprio Shirer, que morreu há mais de 30 anos.
Shirer foi correspondente na Alemanha até o final de 1940. Ou seja, assistiu a tudo com os próprios olhos e ouviu tudo com os próprios ouvidos. A Ascensão e Queda do Terceiro Reich é baseado, principalmente, na quantidade fabulosa de documentos oficiais recolhidos pelos americanos, em interrogatórios de militares e civis e em diários e memórias deixados pelos fautores do nazismo.
O seu relato é fascinante e mostra como o povo alemão foi capturado — e estava disposto a ser capturado — por Adolf Hitler. É explicável, portanto, o motivo de o então primeiro-ministro da Alemanha Ocidental, Konrad Adenauer, ter ficado furioso e classificado Shirer de “hater da Alemanha”.
No posfácio de 1990, o autor escreveu: “As pessoas me perguntam agora: os alemães mudaram? Muitos no Ocidente acreditam que sim. Eu não tenho tanta certeza, a minha visão, sem dúvida, está obnubilada pela experiência pessoal de ter vivido e trabalhado na Alemanha no tempo do nazismo. A verdade é que ninguém tem a resposta para essa questão crucial”.
No livro, há uma passagem curiosa que aproveitei no meu segundo romance, O Vício do Amor. É aquela em que Shirer conta como o sobrenome de Hitler poderia ter sido outro, em função de questões familiares: Schicklgruber.
“Talvez não haja muito ou mesmo nada em um nome, mas eu ouvi alemães especularem se Hitler teria se tornado dono da Alemanha se fosse um Schicklgruber. Esse sobrenome tem um som ligeiramente cômico quando sai da boca de um alemão do sul. É possível imaginar as frenéticas massas alemãs aclamando um Schicklgruber com os seus tronituantes ‘Heils’?, ‘Heil, Schicklgruber’?”
Depois de ler A Ascensão e Queda do Terceiro Reich, só sendo muito cretino para ousar comparar qualquer guerra, por mais cruenta que seja, com o massacre dos judeus perpetrado pelos nazistas em escala industrial. Ali está a gênese do Mal absoluto e também a semente da sua derrota. Ninguém de quem não gosto é Hitler.