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Não há inocentes na tragédia Yanomami

E está inserida no contexto de uma tragédia mais ampla, a brasileira, que não começou ontem e, infelizmente, está muito longe de terminar

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Reprodução/ MPF
Crianças indígenas Yanomami ficaram sem medicamentos por conta de esquema de corrupção
1 de 1 Crianças indígenas Yanomami ficaram sem medicamentos por conta de esquema de corrupção - Foto: Reprodução/ MPF

Os nazistas só puderam perpetrar o Holocausto, porque o anti-semitismo na Europa foi alimentado nos séculos anteriores, estendendo-se, inclusive, aos Estados Unidos. O anti-semitismo americano, nas primeiras décadas do século XX, propiciou que o escritor Philip Roth escrevesse o romance The Plot against America, uma distopia na qual Franklin Delano Roosevelt é derrotado na eleição americana de 1940 pelo herói aviador Charles Lindbergh, notório antissemita. Na presidência, Lindbergh, que culpa os judeus pela entrada dos Estados Unidos na guerra contra a Alemanha, negocia um acordo com Adolf Hitler, para desespero da comunidade judaica americana.

Nunca teremos um Philip Roth para expor a nossa maneira primária e hipócrita de encarar as feridas nacionais. O problema desse primarismo e dessa hipocrisia é que, além de não curar as nossas feridas, elas abrem caminho para que demagogos as explorem politicamente.

Veja-se o caso dos Yanomamis. Se Jair Bolsonaro cometeu genocídio, caberá à Justiça decidir. Mas, da mesma forma que o Holocausto só foi factível por causa do anti-semitismo secular na Europa e adjacências, o que ocorreu em Roraima sob o ex-presidente da República só se deu porque desde sempre os indígenas vêm sendo tratados como se não fossem seres humanos — ou só o fossem quando isso é oportuno politicamente. Isso não diminui a culpa de Jair Bolsonaro nem a relativiza, mas a coloca num contexto no qual não há inocentes.

A desnutrição entre as crianças Yanomamis abaixo de 5 anos, por exemplo, não é um problema que surgiu de quatro anos para cá. Um estudo conduzido por mestrandos da Universidade Federal de Roraima, disponibilizado em julho de 2016, apontou para “a  alarmante situação a que estão expostas as crianças indígenas do polo base Haxiu no Distrito Especial Yanomami em Roraima”. Os dados analisados pelo estudo são de 2014 (quando Dilma Rousseff era presidente da República) e foram fornecidos pelo Distrito Especial de Saúde Indígena-DSEY/Sesai. Eles mostram que a desnutrição entre as crianças Yanomamis menores de 5 anos aumentou naquele ano. De janeiro para dezembro de 2014, o percentual de crianças com muito baixo peso saltou de espantosos 25% para inacreditáveis 40,5%.

O estudo traz a discussão de especialistas sobre possíveis motivos para a prevalência da desnutrição entre as crianças Yanomamis, inclusive o fraco vínculo entre mães muito jovens e os seus filhos. Ainda que exista esse problema endógeno, ele não exime as autoridades das suas responsabilidades. Também não apaga o fato de que o garimpo ilegal, impulsionado por Jair Bolsonaro, destrói a floresta e o solo de onde os Yanomamis tiram a sua sobrevivência, agravando o quadro geral de abandono perverso. Garimpo ilegal que, por sua vez, é levado a cabo, em grande parte, por brasileiros não-indígenas paupérrimos.

Repito e repito. Não há inocentes na tragédia Yanomami. E assim continuará a ser, enquanto os indígenas continuarem a ser tratados como se não fossem seres humanos — ou só o fossem quando é oportuno politicamente. A tragédia Yanomami está inserida no contexto de uma tragédia mais ampla, a brasileira. Ela não vem de ontem e, infelizmente, está muito longe de terminar.

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