Moro, o julgado: ladrão de galinhas é pior que ladrão de milhões?
Ninguém entendeu por que Moro foi conversar com o decano, mas ele saiu de lá com esse epíteto curioso — e talvez revelador da alma nacional
atualizado
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O julgamento de Sergio Moro no TRE do Paraná foi retomado hoje. Estava 3 a 1 contra a cassação até o momento em que escrevia este artigo, mas a sua condenação no TSE, com a consequente perda de mandato, parece ser uma certeza política.
Na semana passada, o senador esteve com o decano do STF. Ninguém entendeu o que ele foi fazer lá, já que inimigos nunca serão amigos, lição que algumas pessoas, entre as quais Sergio Moro, demoram a aprender, se é que um dia realmente o fazem. O senador, em especial, parece ter gosto inconsciente pelo seu papel de caça.
Nas versões sopradas à imprensa, Sergio Moro foi espezinhado pelo ministro com o qual queria “manter um canal de comunicação aberto”. Canal de comunicação logo com quem afirma que o Supremo “enfrentou a Lava Jato“, veja só. O decano teria dito ao senador, entre outras delicadezas matogrossenses, que ele e Deltan Dallagnol eram ladrões de galinhas. “Você e Dallagnol roubavam galinha juntos. Não diga que não, Sergio”, afirmou o decano.
Não entendi esta ofensa: “ladrão de galinhas”. O que isso quer dizer? Que ser ladrão de galinhas é pior do que ser ladrão de milhões? E que ser ladrão de milhões é, portanto, melhor do que ser ladrão de galinhas?
Como a Justiça brasileira costuma condenar mais ladrões de galinhas do que ladrões de milhões, tendo a crer que, para os nossos magistrados, ser ladrão de galinhas é mesmo mais indigno, daí o comentário do decano, embora não haja evidência de que Sergio Moro e Deltan Dallagnol fossem amigos de galinheiros alheios e sim de que eram inimigos de amigos de milhões alheios. Nesse contexto, ofender alguém com o epíteto de ladrão de galinhas revelaria a alma nacional, não?
Ao fim e ao cabo, o decano quis dar de um só gole a Sergio Moro o que seria uma verdade dura para o ex-juiz da Lava Jato. Mas talvez ele próprio, o decano, esteja bebendo aos poucos a mentira que o envaidece, em inversão daquela frase arguta de Denis Diderot, o da Enciclopédia iluminista: “Engolimos de um só gole a mentira que nos lisonjeia e bebemos gota a gota uma verdade que nos é amarga”.