Macron se recusa a nomear um primeiro-ministro e aprofunda o caos
A França está sem governo há quase dois meses, porque Emmanuel Macron não quer se dobrar ao resultado das eleições parlamentares
atualizado
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A França está sem governo há quase dois meses, porque Emmanuel Macron não quer se dobrar ao resultado das eleições parlamentares que ele antecipou inexplicavelmente e da qual o seu partido de centro, o Renaissance, saiu perdedor previsivelmente, já que o presidente da França consegue ser o mais odiado entre todos que o precederam na Quinta República. Ou seja, desde 1958.
Quem conseguiu a maioria relativa na Assembleia Nacional foi o Nouveau Front National, a coalizão de esquerda liderada pelos radicais e que conta com os socialistas. Como o Renaissance de Emmanuel Macron ajudou o Nouveau Front National e por ele foi ajudado, em acordo informal para barrar a vitória do Rassemblement National, da direita radical, o partido do presidente deveria se compor com a esquerda e nomear um primeiro-ministro proveniente do Nouveau Front National.
Só que Emmanuel Macron se recusa a fazer tanto uma coisa quanto a outra. Evidencia, assim, o seu oportunismo eleitoral: usou a esquerda e quer livrar-se dela depois de impedir demagogicamente a ascensão da direita radical. Ele tentou formar uma aliança com os socialistas moderados, separando-os dos radicais, e com os republicanos, de centro-direita, mas ninguém quer saber de se ligar ao presidente detestado cujo partido encolheu como cashmere em secadora depois das eleições legislativas, embora menos do que o esperado graças à aliança informal (e abjeta) com a esquerda radical. Todos estão com receio de se contaminar para a eleição presidencial de 2027.
A princípio, o presidente lançou mão da Olimpíada de Paris como pretexto para deixar a França sem primeiro-ministro. Era preciso fazer uma “decantação”. Agora, não tem pretexto nenhum. O argumento de que um primeiro-ministro da esquerda não duraria muito por não ter maioria absoluta está longe de ser válido. Também não há garantia de que um nome da direita teria sucesso nas mesmas condições. É preciso nomear alguém logo, e esse alguém que se encarregue de tentar fazer as composições possíveis para formar um governo que sobreviva. Se não conseguir, nomeie-se outro, e vida que segue aos trancos e barrancos, mas dentro da institucionalidade mais estrita.
Sem conquistar a adesão da centro-direita,
a recusa em nomear um nome proveniente da maioria relativa mostra que Emmanuel Macron quer um governo para chamar de seu, embora tenha perfido nas urnas. Isso atenta contra a democracia francesa e o seu regime semipresidencialista, no qual está prevista a situação de o país ter um primeiro-ministro de partido oposto ao do presidente da República, na chamada coabitação. Foram os eleitores que decidiram dessa forma.
Muito possivelmente, ele tentará se aproximar da direita radical de Marine Le Pen, que foi torpedeada por ele na eleição, mas tem, sozinha, o maior partido da Assembleia Nacional. Para se manter à tona, Emmanuel Macron faz um jogo duplo que só irrita os franceses. Ele mergulhou o país em um déficit governamental gigante, apesar da aparência responsável, e no caos político. Esse caos só faz aprofundar-se.