metropoles.com

Lula na Índia: namastê, mentiras e vídeos

O namasté foi prenúncio: Lula manobrou para não condenar a Rússia, afrontou o Tribunal Internacional de Haia e depois mentiu descaradamente

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
Ricardo Stuckert/PR
Lula na Índia, com lenço no ombro e marca indiana na testa -- Metrópoles
1 de 1 Lula na Índia, com lenço no ombro e marca indiana na testa -- Metrópoles - Foto: Ricardo Stuckert/PR

A viagem de Lula à Índia, para a cúpula do G20, foi um vexame internacional do qual o namastê de Janja foi apenas o prenúncio.

O presidente brasileiro manobrou, juntamente com os parceiros do Brics, para que não houvesse condenação à Rússia no comunicado final, mas apenas leve uma referência à Guerra na Ucrânia, como se ela não tivesse sido motivada pela invasão ilegal e criminosa ordenada por Vladimir Putin. Diz o comunicado:

“Destacamos o sofrimento humano e os impactos negativos adicionais da guerra na Ucrânia no que diz respeito à segurança alimentar e energética global, às cadeias de abastecimento, à estabilidade macrofinanceira, à inflação e ao crescimento, o que complicou o ambiente político para os países, especialmente os países em desenvolvimento e menos desenvolvidos que ainda estão se recuperando da pandemia de Covid-19.

Em linha com a Carta das Nações Unidas, todos os Estados devem abster-se da ameaça do uso da força ou de buscar a aquisição territorial contra a integridade territorial e a soberania ou a independência política de qualquer Estado. O uso ou ameaça de uso de armas nucleares é inadmissível.”

Esse comunicado vergonhoso, que fez a alegria do representante russo, o reto e vertical Sergei Lavrov, foi comprado por boa parte da imprensa nacional como se Lula tivesse atuado tão-somente em prol de um texto consensual, já que o risco era de não haver comunicado nenhum, por causa da insistência das democracias ocidentais em criticar explicitamente o agressor russo. Uma vitória diplomática, portanto. Papo furado: Lula, que presidirá o G20, atuou principalmente para livrar a cara de Vladimir Putin e, com isso, ganhar mais pontinhos junto ao aliado. A sua vitória está encharcada em sangue ucraniano.

Não bastasse a manobra, Lula deu uma entrevista a um canal indiano, chamado Firstpost, na qual afirmou que, se Vladimir Putin viesse ao Brasil, ele não seria preso, apesar do mandado de prisão expedido contra o criminoso de guerra pelo Tribunal Penal Internacional, criado pelo Estatuto de Roma, que conta com a adesão do Brasil. Uma afronta à instituição que, ratificada por 123 países, julga genocídios, crimes de guerra e crimes contra a humanidade.

“Ninguém vai desrespeitar o Brasil, porque tentar prender ele (Putin) no Brasil é desrespeitar o Brasil”, disse o presidente brasileiro, depois de afirmar que o país “consentiu um clima de paz, então eles vão sentir isto: a gente gosta de música, a gente gosta de carnaval, a gente gosta de futebol, mas a gente gosta também de paz e gostamos também de tratar bem as pessoas, então acredito que Putin pode ir facilmente para o Brasil”. Só faltou incluir a feijoada na sucessão de clichês absolutamente fora de esquadro.

Nem a esquerda francesa se deixou enganar pelo petista. Em editorial crítico à cúpula do G20 na Índia e o seu comunicado pusilânime, o jornal Le Monde escreveu: “O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, manifestou nessa ocasião (a visita dos chefes de Estado ao memorial em homenagem a Gandhi) a sua inconsistência. Ele expressou toda a admiração que lhe inspirou o modo de luta política abraçado por esse herói indiano, ao mesmo tempo que se apressou em convidar com entusiasmo, para a edição de 2024 do G20, prevista para o seu país, aquele que semeou morte e desolação em solo europeu”.

Diante da repercussão negativa das suas declarações, o que fez Lula? Em entrevista coletiva, resolveu mentir descaradamente, dizendo que “nem sabia da existência desse tribunal”, além de demonstrar o seu desprezo pelo organismo internacional sediado em Haia, na Holanda, traduzido em ignorância orgulhosa. 

“Eu não estou dizendo que vou sair de um tribunal. Eu só quero saber, e isso só me apareceu agora, eu nem sabia da existência desse tribunal, sabe, eu só quero saber por que os Estados Unidos não é signatário (sic), por que que a Índia não é signatário (sic), por que que a China não é signatário (sic), por que que a Rússia não é signatário (sic) e por que o Brasil é signatário. Eu quero saber o que é a grandeza que fez o Brasil tomar essa decisão de ser signatário. Só isso que quero saber, porque é muito… Eu nem sei se a França é signatário (sic). Não sei, sabe… Me parece que os países do Conselho de Segurança da ONU não são signatário (sic), só o bagrinho.”

Vamos tratar primeiro do desprezo traduzido em ignorância: França e Reino Unidos, duas potências nucleares que fazem parte do Conselho de Segurança da ONU, são signatários do Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional. A Alemanha e o Japão, que estão longe de ser bagrinhos, também fazem parte. Os demais países citados por Lula não aderiram ao Estatuto de Roma seja por conduzirem políticas externas de forte cunho imperialista, seja por reprimirem minorias dentro das suas fronteiras, ou por ambos os motivos, nenhum deles louvável.

Agora, tratemos da mentira descarada: Lula sabia, sim, da existência do Tribunal Penal Internacional. 

O PT defendeu que se denunciasse Jair Bolsonaro ao tribunal, pela gestão criminosa da pandemia. No início de 2022, o petista Humberto Costa e o aliado do PT Randolfe Rodrigues integraram a comitiva que levou a Haia o relatório final da CPI da Covid que acusava o então presidente. Em abril, na Espanha, o próprio Lula disse que o seu antecessor “um dia será julgado em tribunal internacional pela atuação na pandemia”. Não existe outro tribunal internacional para julgar esse tipo de coisa que não o Penal Internacional. Em 2018, o PT cogitou recorrer à Corte contra a Lava Jato.

Recue-se ainda mais no tempo: em 2003, no seu primeiro mandato, ele enviou Celso Amorim como representante brasileiro à sessão inaugural do tribunal, depois de o seu governo indicar uma juíza, Sylvia Steiner, para ocupar uma cadeira em Haia. Em 2004, uma PEC formalizou a adesão do Brasil ao Tribunal Penal Internacional.

No mesmo ano, o petista prometeu que tipificaria os crimes de genocídio e de lesa-humanidade no Código Penal brasileiro, de modo a ficar em sintonia com as diretrizes do Estatuto de Roma. Um projeto de lei foi anunciado pelo governo. Onze anos depois, Dilma Rousseff assinou um decreto que reconhecia a personalidade jurídica do Tribunal Penal Internacional.

Lula na Índia: namastê, mentiras e vídeos que eternizaram o vexame.

Quais assuntos você deseja receber?

Ícone de sino para notificações

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

Ícone de ajustes do navegador

Mais opções no Google Chrome

2.

Ícone de configurações

Configurações

3.

Configurações do site

4.

Ícone de sino para notificações

Notificações

5.

Ícone de alternância ligado para notificações

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comMario Sabino

Você quer ficar por dentro da coluna Mario Sabino e receber notificações em tempo real?