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Loucura das bets ilustra o presente desesperado de um país sem futuro

Não se está falando de vício, apenas, mas da ilusão infantil de milhões de brasileiros que enxergam nas bets um meio de completar o mês

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Diante do desvario causado pelas bets, a imprensa está como aquele policial corrupto do filme Casablanca que vai fechar o cassino do personagem de Humphrey Bogart. “Estou chocado — chocado — por descobrir que há jogo acontecendo aqui!”, diz ele, impassível. Em seguida, um crupiê lhe estende um maço de dinheiro, informando: “Os seus ganhos, senhor”. Ao que o policial responde: “Ah, obrigado”.

A verdade é que, não fosse a história policial envolvendo a influencer e o cantor sertanejo famosos, grandes veículos de comunicação continuariam a fazer vista grossa para o descalabro que lhes rende dinheiro em publicidade, recurso cada vez mais escasso. Há até emissoras que querem aderir ao novo negócio de engabelar gente pobre, transformando-se, elas próprias, em casas de apostas eletrônicas.

A liberação dessa vigarice foi a título de aumentar a arrecadação de impostos. Conversa mole: em 2025, de acordo com economistas ouvidos pelo Estadão, a regulação das bets renderá entre R$ 2 e R$ 10 bilhões, uma bagatela se comparada à receita primária de R$ 2,7 trilhões, prevista no Orçamento da União. Quem tem a comemorar são os lavadores de dinheiro.

A aprovação do projeto das bets abriu “as portas do inferno”, como disse a deputada Gleisi Hoffmann, agora fazendo mea-culpa. O inferno é tão grande, veja só, que estou concordando com Gleisi Hoffmann.

“Subestimamos os efeitos nocivos e devastadores sobre o que isso causa à população brasileira. É como se a gente tivesse aberto as portas do inferno, não tínhamos noção do que isso poderia causar. Principalmente essa ação muito ofensiva das casas de jogos e o uso de publicidade extrema”, disse a deputada petista.

O resultado da selvageria é que beneficiários do Bolsa Família gastaram, apenas em agosto, R$ 3 bilhões de reais com apostas eletrônicas. O Bolsa Família virou programa de transferência de renda para cassinos virtuais. É o Bolsa Bet. Para completar a roleta russa, uma pesquisa feita por uma fintech revela que 30% dos brasileiros que têm conta em banco contraem empréstimos para fazer apostas.

Marcos Troyjo, ex-presidente do Banco dos Brics, desenhou para esta coluna o tamanho do desastre para o país:

— O PIB nominal do Brasil é de cerca de R$ 11 trilhões. 

— Historicamente, o país investe cerca de 1% do PIB em P,D&I (Pesquisa, Desenvolvimento & Inovação). 

— P,D&I é antessala de aumentos de produtividade, que são antessala de aumentos de renda, que são antessala da prosperidade.

— 1% de R$ 11 trilhões é R$ 110 bilhões. 

— R$ 110 bilhões é todo o investimento que o Brasil (governo, estatais, autarquias, universidades, centros de pesquisa, empresas privadas) faz em P,D&I.

 — Um estudo recente do Banco Central mostra que, em agosto de 2024, algo como R$ 20 bilhões foram transferidos a empresas de apostas e jogos de azar, as bets.

— R$ 20 bilhões por mês são R$ 240 bilhões por ano.

— Conclusão: hoje, o Brasil está direcionando mais do dobro de recursos a bets do que à construção do futuro mediante o investimento em P,D&I.

A loucura das bets ilustra o presente desesperado de um país sem futuro. Não se está falando de vício, apenas, mas da ilusão infantil de milhões de brasileiros que enxergam nas apostas eletrônicas um meio de completar o mês, de ir um pouco além da sobrevivência. É trágico.

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