Jair Bolsonaro gosta de liberdade de expressão como eu gosto de quiabo
É lorota que Bolsonaro é um democrata. Bolsonaristas e petistas têm a mesma visão de liberdade de expressão: ela só vale para quem os apoia
atualizado
Compartilhar notícia
Sobre a manifestação de ontem, no Rio de Janeiro, é preciso dizer que, assim como Lula, Jair Bolsonaro gosta tanto de liberdade de expressão quanto eu gosto de baba de quiabo.
Enquanto esteve no poder, os delinquentes que compunham o seu gabinete do ódio e áreas circundantes se dedicaram a esquartejar a reputação de quem se opunha ao governo, a cancelar jornalistas e a orquestrar campanhas de difamações, injúrias e calúnias contra quem não se alinhasse ao bolsonarismo.
Jornais e emissoras críticos a Jair Bolsonaro também tiveram verbas de publicidade governamental cortadas, enquanto o Palácio do Planalto beneficiava com dinheiro público os veículos de comunicação chapas-brancas.
Como sempre digo, o bolsonarismo elevou ao estado de arte o que o PT fazia quando estava no governo — e que, outra vez no poder, continua a fazer.
É lorota, e da grossa, que Jair Bolsonaro é um democrata. Não é pelo fato de os brasileiros esquecerem a cada 15 anos o que aconteceu nos últimos 15 anos, na tirada famosa de Ivan Lessa sobre o Alzheimer nacional, que se pode simplesmente deixar de lado que o sujeito e os seus asseclas são entusiastas da ditadura militar — aquela sobre o qual nem mais os militares querem ouvir falar.
Quem viveu sob o tacão de qualquer ditadura sabe que a primeira vítima é sempre a liberdade de expressão. Comecei a trabalhar quando o regime de 1964 já estava nos seus estertores, mas deu para sentir o seu bafo.
O bafo era, principalmente, a autocensura por receio de irritar os generais. Do mesmo tipo que a praticada hoje por medo de enquadramento nos inquéritos sigilosos conduzidos pelos defensores da democracia.
Bolsonaristas e petistas têm a mesma visão de liberdade de expressão: ela só vale para quem os apoia. Ou seja, é o contrário do direito fundamental de discordar publicamente, alto e bom som, de quem quer que seja e do que quer que seja, principalmente dos poderosos e da forma pela qual o poder é exercido.
Para falar a verdade inteira, esteja à direita ou à esquerda, brasileiro nenhum gosta de liberdade de expressão. Na nossa ignorância abissal, nós simplesmente não entendemos do que se trata.
No nosso autoritarismo patrimonialista, achamos que liberdade de expressão deve ser tutelada. Basta ver essa extravagância de rimá-la com responsabilidade prévia. Não, a responsabilização pelo que se diz ou se escreve é posterior, a depender do caso, como prevê o código penal para os crimes de calúnia, injúria, difamação e incitação ao crime.
Somos uma gente ignorante no mais básico, inculta no mais alto e, sinceramente, abominável de todos os lados, porque não estamos dispostos a aprender nada com os nossos erros e, principalmente, com os nossos acertos. De vez em quando, acertamos, quase que por acaso.
Dou exemplo: o presidente Fernando Henrique Cardoso, por mais defeitos que tivesse, e ele os tinha aos magotes, tinha arraigado em si o conceito de liberdade de expressão. Sou testemunha ocular e auricular.
Eu ocupava um cargo de direção na revista que trabalhava, na época a mais influente publicação do país, na qual FHC era constantemente alvejado em reportagens e artigos.
Ele nunca pediu a cabeça de um jornalista, nunca cortou verbas publicitárias da revista, nunca fez nenhuma ameaça contra o dono. Se ligava quando era desagradado, era para conversar e argumentar. Bons e efêmeros tempos. Hoje, temos o exato oposto em todas as esferas de poder.