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Guilherme Boulos, Ricardo Nunes e o médico de Napoleão

Depois do debate entre Boulos e Nunes, o nada e a coisa nenhuma, pensamentos e lembranças vagas me levaram até o francês que odiava peruca

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Ricardo Nunes e Guilherme Boulos, candidatos a prefeito de São Paulo, em 2024 -- Metrópoles
1 de 1 Ricardo Nunes e Guilherme Boulos, candidatos a prefeito de São Paulo, em 2024 -- Metrópoles - Foto: Reprodução

Assisti a duras penas, como de hábito, o debate entre Guilherme Boulos e Ricardo Nunes, ontem, na Rede Bandeirantes. Não vi ganhadores, só perdedores: os eleitores de São Paulo. Eles terão de escolher entre o nada e a coisa nenhuma.

Os colunistas dos jornais acharam que o nada foi melhor do que a coisa nenhuma. Deram a vitória no debate a Guilherme Boulos, o que tornará a derrota nas urnas do candidato de Lula ainda mais humilhante, visto que o nada existe como negação do ser, enquanto o coisa nenhuma, como Ricardo Nunes, é o vácuo absoluto. Quando se prefere o vácuo absoluto, é porque é menos ruim não ter qualquer expectativa.

Depois do fim do debate, apaguei a luz e adentrei o campo das lembranças e pensamentos vagos que se sucedem na antecedência ao sono. A lembrança vaga mais interessante foi a de Corvisart, um dos fantasmas ilustres da minha vizinhança no 7eme Arrondissement, em Paris, quando eu era correspondente na Europa.

O médico francês Jean-Nicolas Corvisart teve a sua biografia determinada por negar-se a usar peruca — aquela peruca branca que os aristocratas e altos funcionários franceses usavam como sinal de distinção, entre meados do século XVIII e o início do século XIX.

Ele começou a vida profissional como enfermeiro no Hôtel-Dieu, o hospital público ao lado da Notre-Dame, enquanto estudava medicina. Uma vez formado, foi escolhido para ser professor, mas perdeu o posto pela sua intransponível ojeriza a perucas, atitude que, aos olhos dos nobres e das autoridades, denotava o pensamento de um revolucionário perigoso.

Restou-lhe ser médico dos pobres na paróquia de Saint-Sulpice, e a sua reputação de subversivo baseada apenas na recusa a colocar peruca o salvou da degola que alcançou o clero e os colaboradores da Igreja durante a Revolução Francesa.

Famoso pelo trabalho com os pobres, pioneiro da cardiologia, Corvisart acabou titular da cadeira de medicina do Collège de France. Como tal, foi chamado a atender Napoleão Bonaparte e se tornou imediatamente médico particular do imperador, o que equivalia a ser ministro.

Napoleão chegou a ter aulas de anatomia com Corvisart, mas desistiu do aprendizado depois de ser confrontado com um estômago preparado para dissecção. Ele acompanhou o imperador no exílio na ilha de Santa Helena,  em prova de fidelidade que não lhe renderia problemas como a recusa em usar peruca na juventude.

Os derradeiros anos de Corvisart foram passados no 7eme Arrondissement, entre crises de reumatismo e ataques de apoplexia, até que um deles o deixou semiparalisado. “O primeiro ataque é uma intimação sem cobrança, o segundo é uma intimação com cobrança, o terceiro é uma apreensão de bens”, disse Corvisart, com o humor de que já não tem muito a perder.

O que a história do médico francês que odiava peruca tem a ver com Guilherme Boulos e Ricardo Nunes? Nada, coisa nenhuma. Ou seja, tem tudo a ver.

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