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Entre o Rolex de Bolsonaro e o Piaget de Lula

Que o interminável terceiro turno entre o Rolex e o Piaget, que começa hoje com a volta do Rolex ao Brasil, nos seja leve

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1 de 1 relogio-rolex-recebido-por-bolsonaro - Foto: Reprodução

Sabe-se agora que Jair Bolsonaro queria papar três lotes de joias da Arábia Saudita, que lhe foram dados na condição de presidente da República— ou seja, que deveriam permanecer automaticamente no acervo do Planalto, não fosse a legislação esculhambada que rege os presentes oficiais. O último lote inclui um Rolex cravejado de diamantes, avaliado em 364 mil reais, que está com Jair Bolsonaro.

Depois de revelado o lote do Rolex, segundo conta a colunista Mariana Carneiro, o ex-presidente mandou mensagens de WhatsApp a seus contatos, lembrando que Lula ficou com um Piaget avaliado em 80 mil reais. Dois erros não fazem um acerto, mas fazem uma polarização de bacanas.

Foi o fotógrafo oficial de Lula, na pré-campanha de 2022, que revelou sem querer o Piaget de 80 mil reais, ao divulgar uma imagem em primeiro plano da mão do petista, com quatro dedos, erguida em aceno para uma multidão de apoiadores ao fundo. Como pegou mal, cortaram o relógio de luxo da foto.

De acordo com o colunista Guilherme Amado, Lula explicou que havia encontrado o Piaget “em meio ao seu acervo de quando foi presidente, onde estão milhares de presentes que ganhou durante os dois mandatos. Entre eles, diversos relógios”. 

Disse o petista:

“Escolhi o que mais gostei. Mas o relógio estava parado, levei numa loja e disseram que, para consertar, seriam 2.500 reais. Não paguei, achei caro. Depois, deram corda nele e voltou a funcionar.”

Lula é sempre cândido nas suas explicações. 

Como é que o petista pode ter ficado com presentes valiosos que ganhou quando era presidente? Foi um assunto da Lava Jato, mas a Lava Jato, você sabe, não passou de uma operação para extorquir dinheiro de inocentes e criminalizar a política. Ainda bem que os seus juízes e procuradores foram desmascarados por hackers abnegados e preocupados com o destino do país, que deram uma aula de civismo aos praticantes de lawfare.

Águas passadas. O fato é que Jair Bolsonaro quis ascender socialmente com a totalidade das joias da Arábia Saudita e sobrou com um Rolex, enquanto Lula faturou um Piaget.

Tic tac, tic tac.

Há poucos dias, o presidente da França, Emmanuel Macron, também se viu às voltas com um relógio. Ele estava dando entrevista a dois jornalistas de televisão, a fim de justificar a reforma da previdência enfiada goela abaixo dos cidadãos, e de repente colocou as duas mãos debaixo da mesa, enquanto falava. Foi para tirar o relógio que estava usando.

Não demorou para que viralizasse a história de que o presidente explorador dos trabalhadores quis esconder um relógio de 80 mil euros. Lorota. Era um relógio da marca Bell & Ross, de 2.500 reais, de uma edição especial para a Presidência da República francesa. Emmanuel Macron o tirou durante a entrevista porque, a cada vez que apoiava os braços na mesa, ele batia o relógio no tampo e fazia barulho.

Divertido mesmo foi ver, em 2012, o então presidente Nicolas Sarkozy retirar do pulso um Patek Philippe de 55 mil euros, presente de Carla Bruni, no momento em que recebia cumprimentos de centenas de militantes, depois de um comício eleitoral na Place de La Concorde, em Paris. Rapidamente, ele guardou o relógio no bolso do paletó. Ficou com medo de ser roubado. O gesto resumiu bem o seu gosto pelo contato com o povo. Não foi reeleito.

Na polarização de bacanas, entre o Rolex com diamantes de Jair Bolsonaro e o Piaget clássico de Lula, eu fico com o Piaget clássico. Rolex com diamantes é coisa de novo rico russo, chinês, árabe ou brasileiro. Grandes marcas sucumbiram à dinheirama dessa gente bonita e passaram a fazer relógios ao gosto da freguesia recém-chegada à Place Vendôme. 

A melhor definição de relógio é poética. Está, curiosamente, em Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto. Tomo o que nos resta de liberdade para transcrever em prosa o belo verso:

“Ao redor da vida do homem há certas casas de vidro, dentro das quais, como em jaula, se ouve palpitar um bico. Que, sem nenhum coração, vive a esgotar, gota a gota, o que o homem, de reserva, possa ter na íntima poça”.

É bom poder associar, nem que seja por cinco segundos, relógios a João Cabral de Melo Neto.

Que o interminável terceiro turno entre o Rolex e o Piaget, que começa hoje com a volta do Rolex ao Brasil, nos seja leve. E cuidado com o seu relógio.

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