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Deixem Léo Lins fazer piadas ruins

Não criminalizemos piadas. Se são de mau gosto ou denotam estupidez, como a de Léo Lins, aprendamos a não rir delas. Mais efetivo

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Léo Lins, humorista, ator e escritor brasileiro- Metrópoles
1 de 1 Léo Lins, humorista, ator e escritor brasileiro- Metrópoles - Foto: Reprodução/Instagram

O humorista Léo Lins teve de retirar do Youtube um espetáculo no qual ele fazia piada sobre a escravidão, a mando de uma juíza do Tribunal de Justiça de São Paulo. Ela acatou um pedido do Ministério Público, que considerou a piada racista. Além de ter o espetáculo suprimido da plataforma de vídeos, Léo Lins foi proibido de sair da cidade de São Paulo sem autorização judicial e tem de comparecer uma vez por mês em juízo, para justificar as suas atividades.

Imagino que, com essa segunda decisão, a juíza queira que o humorista explique as suas piadas. Se for isso, fico com pena de Léo Lins: ter de explicar piada é uma das coisas mais constrangedoras que existem. Pode dar até em divórcio.

Ouvi a piada que causou a retirada do vídeo do ar. Ginasiana no seu nonsense. Piada ruim em si. Boba. A minha preocupação principal (não só minha) é que, quando se começa a proibir piada ruim sobre temas relativos a etnias ou a religiões, as piadas boas sobre temas relativos a política e a homens públicos também passam a ser ameaçadas. E a autocensura, que já está em vigor no jornalismo, acaba se instalando no humor.

O campo da liberdade de expressão está minado no Brasil e, agora, o cercadinho reservado ao humor tornou-se igualmente perigoso. Como eu disse no Twitter, a nova democracia brasileira não toleraria O Pasquim, da época da ditadura militar, e certamente mandaria fechar o Charlie Hebdo, houvesse algo semelhante no país, por “racismo” e “atentar contra minorias”. Faltou dizer que um comediante politicamente incorretísso e engraçadíssimo como o inglês Nick Gervais estaria atrás das grades já faz tempo.

O Charlie Hebdo, que teve a sua redação massacrada em 2015, por terroristas fundamentalistas islâmicos furiosos com as caricaturas de Maomé, é exemplo de como uma sociedade democrática lida com o humor que escracha tudo e todos. O jornal suscita frequentemente a discussão sobre os limites da liberdade de expressão na França.

Lá, esse direito fundamental encontra a sua fronteira na injúria, na calúnia e na difamação, na apologia ao terrorismo e na provocação à discriminação, ao ódio ou à violência contra pessoas em razão da sua origem ou do seu pertencimento ou do seu não pertencimento a uma etnia, a uma nação, a uma raça, a uma religião determinada ou à sua orientação sexual e à sua deficiência.

A legislação é semelhante à brasileira, mais restritiva do que nos Estados Unidos, mas, à diferença do Brasil dos últimos tempos, respeita-se absolutamente o princípio básico de que a expressão não pode ser proibida antes que ela ocorra. Ou seja, não há censura prévia. 

O Charlie Hebdo é constantemente acionado na Justiça. Em torno dos casos que o jornal suscitou, firmou-se a jurisprudência do direito ao ultraje, ao excesso e à paródia para fins humorísticos. Não há nada, nem ninguém, que não possa ser objeto de piada, caricatura, gozação e ridicularização na França, desde que não incite ao ódio, à violência ou à discriminação. É isso que faz a diferença entre o jornal e um antissemita militante como o comediante Dieudonné, tal qual foi explicado pelo jornal Le Monde, por ocasião do massacre da redação do Charlie Hebdo. É isso que deveria fazer a diferença, para juízes concursados e jurados das redes sociais, entre as piadas de Léo Lins e falas racistas.

Não criminalizemos piadas. Se são de mau gosto ou denotam estupidez, apenas aprendamos a não rir delas. Democrático e mais efetivo. Sem a proibição do seu espetáculo, Léo Lins não teria ganhado tantos seguidores de lá para cá. Com proibições desse tipo, continuaremos a ser o país das piadas ruins, que podem parecer boas só porque foram vetadas pela Justiça.

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