Como o jornalismo foi sacrificado no altar da exploração política
Em meio à exploração política, o jornalismo foi sacrificado com a retirada do ar da reportagem que mostrou os caminhões de donativos parados
atualizado
Compartilhar notícia
A exploração política da tragédia no Rio Grande do Sul era inevitável, mas nem por isso deixa de ser repulsiva. A batalha agora se dá naquele território minado das supostas fake news.
O SBT veiculou, na noite de ontem, uma reportagem que mostrava que caminhões com donativos para os gaúchos foram parados nas estradas por fiscais da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para pesagem, controle de notas fiscais e autuação.
Depois que a reportagem foi ao ar, a rede de militantes bolsonaristas amplificou a história, como se o governo federal estivesse barrando o socorro às vítimas da hecatombe pluviométrica.
Ato contínuo, a rede petista começou a gritar que tudo era fake news, e o governo Lula partiu para a criminalização de quem amplificou a história veiculada pelo SBT e também de oposicionistas mais assertivos sobre a atuação do governo federal no Rio Grande do Sul. E vai usar como munição para o controle das redes sociais, obviamente.
Para completar, a GloboNews, que os bolsonaristas identificam com o petismo, resolveu dizer que era mentira que caminhões de ajuda estavam sendo barrados, e que a origem da fake news era Pablo Marçal, definido como coach, o que deixou o sujeito ainda mais enfurecido.
A gritaria aumentou com a entrada em cena da emissora concorrente do SBT. O termo “Globolixo” voltou aos trending topics do X. A empresa dona de um caminhão que aparece retido na reportagem divulgou nota para negar que os fiscais houvessem barrado o carregamento de donativos.
Na nota, afirma-se que a fiscalização ocorreu, mas que o caminhão não foi autuado e que seguiu para o seu destino, onde entregou os donativos.
Diante do imbróglio, com receio de ser enredado na criminalização do episódio, o SBT retirou a reportagem do ar, como se houvesse fabricado uma fake news.
Indignado, o governador de Santa Catarina, bolsonarista de quatro costados, foi para as redes sociais, ao lado de um funcionário da Defesa Civil, para afirmar que um caminhão com doações do seu estado havia sido autuado pela ANTT por excesso de peso na carga e por evasão.
Era tudo fake news?
Não, não era. Tanto é que a ANTT editou — hoje de manhã — uma portaria para dispensar da fiscalização normal os veículos de transporte de donativos para o Rio Grande do Sul.
Qual é a verdade?
A verdade é que alguns fiscais sem bom senso realmente estavam parando caminhões para fiscalização e autuação. Não houve nenhum caminhão barrado, apenas parado. O número de caminhões parados foi mínimo, muito longe de ser suficiente para prejudicar o fluxo de donativos.
O que houve?
O que houve foi que os bolsonaristas saíram gritando que um papel queimado era incêndio, os petistas berraram de volta que não havia nem papel queimando — e o governo federal está se aproveitando do fato para tentar colocar na fogueira a liberdade de expressão.
No altar da exploração política, o jornalismo foi sacrificado com a retirada do ar da reportagem do SBT que mostrou a realidade e, assim, prestou um serviço público. Não era fake news. O que faltou na reportagem foi editor que soubesse a diferença entre barrar e parar.