Como Emmanuel Macron conseguiu ser odiado por todo mundo
Não há sujeito mais detestado na França do que Macron. A direita o detesta, a esquerda o execra e os integrantes do seu partido o abominam
atualizado
Compartilhar notícia
Ser odiado por uma parte das pessoas pode ser uma grande qualidade, se você acha que um indivíduo é medido também pelos inimigos que faz durante a vida. Mas ninguém há de discordar de que ser odiado por todo mundo é um enorme defeito. É o caso do presidente francês Emmanuel Macron.
Não existe sujeito mais odiado na França do que ele. A direita o detesta, a esquerda o execra e, desde que decidiu dissolver a Assembleia Nacional sem ouvir ninguém, os integrantes do seu partido o abominam.
O ato de convocar eleições legislativas antecipadas foi uma reação intempestiva à derrota nas eleições europeias que deram à extrema direita uma vitória massacrante. Emmanuel Macron acredita que seria diferente em eleições internas: diante do risco de o país ser governado pela extrema direita, os franceses finalmente dariam ao seu partido de centro a maioria absoluta na Assembleia Nacional.
Cálculo errado: segundo as pesquisas, a extrema direita será a grande vencedora nas eleições legislativas, a extrema esquerda fará a segunda bancada de deputados e o partido de Emmanuel Macron amargará uma terceiro lugar, encolhendo ainda mais de tamanho.
Como, ao que tudo indica, ninguém fará maioria absoluta, o risco é de o país ficar ingovernável, porque não haverá coalizão possível a sustentar o presidente da República, a menos que haja uma reviravolta política invisível neste momento. A extrema direita já fala abertamente que, a se confirmar esse quadro, Emmanuel Macron deveria renunciar, encurtando o seu mandato que vai até 2027, para que houvesse nova eleição presidencial.
Como Emmanuel Macron conseguiu ser tão odiado por tanta gente ao mesmo tempo? As causas são várias, mas todas derivadas da sua arrogância. Mesmo quando se tem razão, não se pode ser arrogante na política.
O presidente francês bancou o Luís XIV, como se o Estado fosse ele: não negociou o seu programa de governo com a oposição próxima ou completamente antípoda. O exemplo mais dramático disso foi impingir goela abaixo da Assembleia Nacional e, portanto, dos eleitores a reforma das aposentadorias, evocando um artigo da Constituição que lhe permite ignorar a opinião dos deputados.
Ele também desprezou as reivindicações dos agricultores há décadas dopados por subsídios e da classe média que perdeu grande parte do seu poder aquisitivo. Foi laxista em relação à imigração ilegal e à insegura pública causada por ela. Mesmo se dizendo preocupado com as finanças governamentais, arrombou os cofres do Estado, degradando a nota dada à França pelas agência de risco e a transformando no novo “homem doente da Europa”.
Ao ser eleito, em 2017, Emmanuel Macron ocupou o lugar dos socialistas moderados e da direita gaullista, que se revezavam no poder. O resultado é que os extremos de esquerda e de direita ficaram mais visíveis.
Isso não teria sido um problema, se ele houvesse acenado aos moderados de ambos os lados. Em lugar disse, tratou-os com desdém.
Emmanuel Macron fez um movimento inteligente, no início do ano, ao adotar uma posição mais rígida sobre a imigração ilegal, depois de perceber a guinada à direita nos vizinhos europeus, e ao nomear como primeiro-ministro Gabriel Attal, um sopro de juventude em um governo que envelheceu precocemente. Mas foi tarde demais e pequeno demais para diminuir o ressentimento que grassava contra ele e que explodiu nas eleições europeias.
O resultado que temos hoje é este: um país prestes a ser tornar ingovernável e com um presidente detestado por todo mundo. Na curtíssima campanha para as eleições legislativas, cujo primeiro turno acontece no próximo dia 3 de julho, os integrantes do seu partido estão escondendo o seu nome, fato inédito na história política da França.
Se esconder um presidente já difícil, a tarefa fica impossível porque Emmanuel Macron se recusa a sair de cena. Embora tenha delegado a condução da campanha do seu partido a Gabriel Attal, ele não sai de cena, apesar de todos o detestarem.
Emmanuel Macron não se conforma com o fato de ser odiado e sempre encontra uma maneira de permanecer no palco, em outra prova de como a arrogância é, quase sempre, corolário do narcisismo,
A propósito dessa insistência, o jornal Le Monde lembrou do conselho que um assessor deu a François Mitterrand, em 1988, quando o então presidente socialista, cujo governo passava por uma crise, disse que estava com vontade de falar aos franceses pela televisão. “Sim, mas para dizer o quê?”, perguntou o conselheiro. “Os franceses precisam me ouvir”, respondeu François Mitterrand. “Quando não se tem o que dizer, é preciso que as pessoas saibam?”, replicou o assessor. O então presidente socialista decidiu não falar.
Odiado, detestado, execrado, abominado, alguém deveria recomendar a Emmanuel Macron que ele sumisse. Mas caberá aos eleitores dizerem isso ao presidente francês.