Como a VoePass tem licença para voar? Hora de abrir a CPI da Anac
Os brasileiros precisam saber se agência fez vista grossa para a negligência da VoePass. E se faz vista grossa para as outras companhias
atualizado
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Ao ver as imagens do avião da VoePass despencando em parafuso chato de uma altitude de 4 mil metros, imaginei o terror das 62 pessoas a bordo durante aquele único minuto que precedeu o choque contra o terreno de uma casa em Vinhedo.
O avião girando enquanto caía, os gritos, o choro, o coração na garganta, a certeza da morte próxima, as súplicas a Deus, talvez a esperança que ocorresse um milagre — houve tempo para que cada pai abraçasse a sua criança? Entrei, por um instante, nesse carrossel de terror.
Na sequência, pensei no avião da TAM que percorreu, sem freios, a continuação imaginária da pista molhada de Congonhas, em julho de 2007, até chocar-se contra um prédio da própria empresa, ironia macabra, localizado do outro lado da avenida sobre a qual se debruça uma das cabeceiras do aeroporto paulista. Saldo de 199 mortos.
Eu estava sozinho na direção da Veja, o meu pai morrendo no hospital, e montamos uma cobertura extensa e aprofundada. Graças à revista, descobriu-se que a causa principal havia sido um problema dos pilotos com o reverso do avião. Dedicamos duas ou três edições ao acidente, já não me lembro precisamente. Entre uma e outra, o meu pai morreu. Enterrei-o e fui para o fechamento.
Dois anos depois, em junho de 2009, houve o acidente com o avião da Air France que fazia a rota entre o Rio de Janeiro e Paris. Duzentas e vinte e oito pessoas mortas. Em meio à tempestade, o equipamento externo que mede a velocidade do avião em relação ao ar congelou-se, e o piloto inexperiente e mal treinado, abandonado por um comandante relapso e sem parâmetros confiáveis no painel, ergueu o bico do Airbus até que ele entrou em estol, perdendo a sustentação e mergulhando no Atlântico revolto, próximo à costa da África.
As investigações apontaram que os acidentes da TAM e da Air France foram frutos do comportamento humano. O gelo severo pode ter sido a causa primeira da queda do avião da VoePass, a ver o papel dos pilotos, mas tudo o que veio à tona até o momento indica que essa companhia regional era negligente com a manutenção dos seus aviões, para dizer o mínimo. Teria usado até palito para substituir uma peça de uma aeronave. Funcionários da empresa apelidaram um dos aviões de “Maria da Fé”, porque o seu estado era tão precário que “só voava pela fé”.
As histórias levantadas pela imprensa sobre a conduta da empresa são arrepiantes e suscitam outra pergunta: como é que a VoePass pode ter licença para voar?
Está na hora de colocar a Agência Nacional de Aviação Civil na mira das investigações. Mesmo. Não é possível que a Anac não soubesse dos gravíssimos problemas de manutenção da VoePass.
Os brasileiros precisam saber se a agência fez vista grossa para a negligência da empresa. Os brasileiros precisam saber se a Anac não faz vista grossa também para a manutenção dos aviões das três grandes companhias que operam no Brasil. Seria bem-vinda uma CPI da Anac.